* Por Amaral Cavalcante
Nunca consegui me fantasiar. Morria de inveja dos primos que vestiam as anáguas das irmãs no carnaval e saiam por ai, de calçola rota e sutiã de concha, arastando o xibiu no chão. O estreito gosto carnavalesco do meu pai – Seu Liminha – só admitia aos filhos usar um velho chambre mijado para acompanhar o bloco de sujos que percorria as ruas de Simão Dias, batendo lata e azucrinando os ouvidos dos mais velhos. Era assim que eu ia, menino grandão, brancão das canelas finas, me juntar à turma da Rua Cônego Andrade para curtir a batucada.
Fantasia, nem pensar. Aliás, em termos de maricagens, nada me era permitido. No dia em que mamãe Corina comprou uma camisa de listinhas azuis e um chinelo Havaianas para mim, foi um bafafá dos diabos! que filho dele não ia sair por aí como uma mulherzinha com esta camisa de fresco, inda mais com um chinelo de plástico verde enganchado no dedão. Nem pensar! Camisa de homem era branca ou caqui – de preferência – admitindo-se o cinza escuro ou o preto para luto fechado. Sapato, somente Fox, de cadarço e com o bico normal. Já o cabelo era Príncipe Danilo, sem muita brilhantina.
Mãe Corina se vingava desse enquadramento comprando roupas caras para nós na loja “Dernier Cri”, do conterrâneo Zé Rico, em Aracaju, onde mantinha uma caderneta de débitos. Mas ficasse sabendo: nada fantasioso para os meninos que filho meu eu quero é muito macho.
Por volta dos 12 anos, macomunado com a minha tia Anete – a da pá virada – comprei uma seda verde e ordenei a confecção de uma camisa de mangas bufantes com elástico na cintura para encarnar um sultão no carnaval do Caiçara Club. No turbante, estaria pregado um velho broche encastoado em rubi falso surrupiado da minha avó Terezinha e dois dragões guarnecidos de lantejoulas que seriam aplicados em cada lado do peito. Para brilhar em criatividade e fulgor, um largo cinto em napa dourada e fivelão trabalhado, na cintura. Uma maravilha que me custou semanas de planejamento e dedicação, ora a riscar os dragões em papel de debuxo, ora a acompanhar o seleiro Oscar Prata na confecção do cinto, a quem tive que recompensar com duas semanas de trabalho duro com um martelinho de ferro e um furão, bordando estrelinhas em selas. Tardes e tardes a escolher lantejoulas no Armarinho de Seu Guerra, sem contar a trapalhada que era fazer tudo isso escondido de Seu Liminha.
No primeiro dia de carnaval, cada um de nós já com sua caixa de lança perfume Rodouro, Corina toda pronta com um diadema de strass e dois berloques no pulso, Liminha em mangas de camisa com o sobrolho carregado de má vontade, ai apreço eu, o irradiante sultão das arábias, inda pingando areia prateada do olho do dragão, certo de que estava abafando.
Liminha tirou o cinto e avançou como um cruzado sobre este Saladino de araque, com ira santa e bastante força; lapada a lapada gritando cê é besta, filho meu tem que ser é homem.
Doeu tanto que até hoje eu não consigo nem botar um chapeuzinho de malandro na cabeça; nunca botei brinco nem uso penduricalhos, que dirá fantasia de mouro para brincar o carnaval.
* Amaral Cavalcante é jornalista, poeta e cronista de mão cheia