Por Manoel Moacir Costa Macêdo
A pandemia quando chega, altera a vida da humanidade. Privações, quarentena, distanciamento social e mortes, interferem no modo de viver e produzir. Mudanças acontecem, algumas acolhidas, outras rejeitadas. Convivência familiar alterada. Encontro entre pais e filhos inevitável. Fugas e conflitos exteriorizados. Afetos e ódios externados. Doenças da alma acrescidas. Vícios e virtudes expostos.
O entretenimento virtual substituiu os templos do consumo, a exemplo dos shopping centers e resorts. As lives supriram os eventos presenciais, recheados de coffee breaks. O home officeintensificado. A residência, incluiu a sala de trabalho. O pós-facto e os inexoráveis registros dirão os ganhos e perdas, as vantagens e desvantagens. Lições e aprendizados ministrados. Umas aprendidas no curto prazo, outras adiante no tempo da vida.
Máscaras caíram. Hipocrisias e mentiras escancararam. Lideranças servidoras não surgiram. Tradicionais relações de produção substituídas por novos meios de trabalho. Reformas explodiram com a força de um furacão. Nenhuma pandemia, chega e sai sem sofrimentos e privações. A depender dos cuidados, ter-se-á, mais ou menos sequelas e mortes. Exemplos não faltam. A receita é simples: quem cuidou, sofreu menos e vidas foram poupadas. A história, marcará com justiça as consequências no corpo e no espírito dos responsáveis. Na contabilidade divina não tem escapes.
No caso brasileiro, a pandemia mostrou as mazelas sociais escamoteadas pelos insensíveis. Nenhuma surpresa, exceto para aqueloutros que “amam justificar o que somos e odeiam a verdade”. Os invisíveis, desvalidos, miseráveis e abandonados à própria sorte alimentam com folga as estatísticas de contaminações e mortes. Nenhuma tragédia na história pátria supera as vidas devoradas pela Covid-19.
Entre outros, dois fatos com sentidos dialéticos, merecem atenção. Primeiro, a procura por plantas ornamentais. Com o home office, a quarentena e o isolamento social, fomentaram a demanda por jardins e flores nas residências. Ornamentação, iluminação, ventilação, rosas, orquídeas, crisântemos, antúrio e lírios, são novidades no “novo normal”. Segundo, a comunicação dos mortos pela Covid-19 nos obituários, jornais e boletins: faleceram “cinco mulheres: 90 anos, hipertensão e obesidade; 65 anos, hipertensão e diabetes; 60 anos, hipertensão, diabetes e obesidade; 79 anos, hipertensão e tabagismo; e cinco homens: 68 anos, hipertensão; 67 anos, hipertensão e diabetes; 50 anos, hipertensão e diabetes; 74 anos, cardiopatia; 64 anos, cardiopatia, diabetes e obesidade”.
No imaginário do leitor, condicionado pelos obituários, o coronavírus, não foi a causa geradora das mortes, apenas o “empurrãozinho” que faltava para a passagem entre os mundos. Os enfermos, estavam à beira do desencarne, pelas comorbidades e doenças pré-existentes. Os pacientes estavam determinados à morte. Uma possível remissão de culpa para quem tem o dever moral de cuidar das pessoas.
Na dubiedade dos obituários, o coronavírus, não foi o causador maior das vidas, apenas um dos seus condicionantes. Silenciam os protestos. Calam as indignações e os sentimentos de cristandade de “bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”. Entre as bem-aventuranças, o manifesto de solidariedade e amor ao próximo, somente a esses eleitos, serão dadas as graças supremas de verem Deus. O luto dos familiares pelas mortes, algumas possivelmente evitáveis, exige respeito, consolo e reparações. “Vidas importam, sim”. Escreveu um anônimo nas redes sociais: “não existe espaço para desculpas quando se assume a responsabilidade com a vida dos cidadãos. Trabalhamos e pagamos nossos impostos para o que o poder público seja eficiente. Faltou planejamento, sobrou angústia”.
* É engenheiro agrônomo e advogado