Por Luiz Eduardo Costa *
No século IV antes de Cristo, Aristóteles, um filósofo grego que foi também preceptor de Alexandre da Macedônia, escreveu um tratado que denominou Meteorologia. Nele, descreveu a terra como uma esfera, cuja configuração real, afirmou: “é comprovada pela evidência dos nossos sentidos”.
Aristóteles recorreu à observações empíricas para demonstrar a esfericidade da terra. Uma delas e mais elementar: quando um barco se aproxima da costa, seus tripulantes primeiro avistam no horizonte as partes altas, montanhas, edificações, árvores, por fim as terras baixas. No caso contrário, quem estiver em terra observando o navio em deslocamento, primeiro avistará os seus mastros.
É mais do que evidente que numa superfície plana isso não aconteceria. Colocar em dúvida hoje, no século XXI, que o planeta Terra tem a forma de uma esfera, aliás, como são quase todos os corpos celestes, não é somente uma excentricidade grotesca, é algo assim como uma “teoria” elaborada por delirantes hóspedes de manicômios.
Quando o Infante Dom Henrique criou a Escola de Sagres, no final do século XV, seus cartógrafos, seus cientistas, já operavam com a pacificada ideia da forma esférica da Terra, e a extensão da circunferência terrestre lhes era transmitida pelos escritos de um matemático grego, Eratóstenses, que, sete séculos antes a estimara em aproximadamente 40 mil quilômetros, tendo efetuado seus cálculos com base na sombra projetada pelo sol ao meio dia em duas cidades, Alexandria, no Egito, e Siena, na Itália oitocentos quilômetros ao norte. Errou por quase dois mil quilômetros, e hoje o mesmo cálculo é feito com um erro que não ultrapassa vinte centímetros.
Quando Yuri Gagarin, o russo que fez pela primeira vez a volta da Terra numa nave espacial, em 1961, ele, lá da cima, não disse: a Terra é redonda, isso, todos sabiam, e era uma verdade inconteste, já cotidianamente comprovada, mas, afirmou extasiado: “zemlya golubaya”, (a Terra é azul), e da bola redonda azulada vista lá embaixo, fez as primeiras fotos desde o espaço.
Mas agora vivemos uma era de tumultos disparatados, quando até se busca estabelecer confronto absurdo entre ciência e religião, e faz efeito devastador a catástrofe do plantio artificial de conflitos e odiosidades, que as redes sociais disseminam em escala global, então, nada mais espanta, nada mais pode ser colocado no campo irracional das coisas impossíveis.
Dai, nem parecerem amalucados excêntricos aqueles que se intitulam “terraplanistas”. Eles negam a esfericidade da Terra, e dizem acreditar que o planeta tem a forma de uma gigantesca pizza redonda, onde estariam os continentes, as ilhas, cercados pelos oceanos, que terminariam nas bordas do círculo diante de paredes de gelo, e, depois delas, o abismo.
Os “terraplanistas” estão organizando uma expedição até as “bordas extremas da Terra plana”. Oferecem uma viagem segura num espaçoso e confortável navio. Não cobram barato, e nem sequer marcaram até agora o dia da partida para o que, prometem, “será a grande aventura das nossas vidas”.
A credulidade poderia até ser entendida como um sentimento nobre, a virtude de crer e confiar nos atos, palavras, promessas e juras de outras pessoas, o que corresponderia a firmar um seguro pacto de lealdade e coerência entre os humanos.
Mas, a aceitação de algo como verdadeiro exige um trânsito clarificante pelo espaço luminoso da racionalidade.
Esse “trânsito” está sendo bloqueado pelo discurso tumultuário que percorre a internet, e não será surpresa se o “terraplanismo” vier a capturar milhões de mentes susceptíveis ao contágio da estupidez, que faz a instantânea volta ao mundo redondo, cada vez mais ocupado por “mentes quadradas”, pelo fanatismo, ou, simplesmente pela burrice, coisa que parece inofensiva, mas tem um efeito devastador, por ser adversária inconciliável da inteligência.
* É jornalista, escritor e membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências. Ambientalista, fundou o Instituto Vida Ativa que, dentre outras atividades, viabilizou em 18 anos o plantio de mais de um milhão de mudas da Caatinga e Mata Atlântica.