Negro, gay, com idade entre 20 e 24 anos, morador da periferia, com ensino médio completo ou cursando o ensino superior, e renda de até um salário mínimo. Esse é o perfil da maioria das vítimas do ciclo da violência contra a população LGBTQIA+, no Brasil, de acordo com o levantamento da Alma Preta Jornalismo, em 2022.
Enfrentar o racismo e a lgbtfobia, além das relações afetivas no vínculo familiar, passa pela compreensão da exclusão histórica de pessoas de pele preta com almas multicoloridas das lutas sociais e políticas. Essa é uma das principais reflexões da pesquisa de Thiago Damasceno no mestrado em Sociologia na Universidade Federal (UFS).
Durante dois anos, ele buscou respostas sobre a interseção entre questões de gênero e cor em três dimensões: as relações raciais na comunidade LGBTQI+ a partir de preterimentos; a invisibilidade das demandas interseccionais em movimentos sociais; e o reforço de estereótipos na competência política implementando desigualdades.
Foram entrevistados, em 2021, 29 homens das cinco regiões do país que se reconhecem como negro e gay. O pesquisador quis saber se eles já tinham sofrido algum tipo de preconceito; se foram vítimas de racismo dentro da comunidade LGBTQIA+; se se sentem acolhidos pelos movimentos negros; e se são assistidos pelas políticas públicas.
Da pele negra à alma multicolorida
Os resultados da pesquisa revelaram que 79% dos entrevistados afirmaram ter vivido alguma situação relacionada a estereótipos e de segregação social ao longo da vida, sendo que mais da metade disse ter sofrido alguma discriminação envolvendo a cor da pele e a orientação sexual.
“O crescimento das violências aos negros gays a cada ano no Brasil tem influência direta com a desumanização destes sujeitos na comunidade LGBTQIA+ e na população negra, mas, principalmente, nos movimentos sociais e no sistema de serviços públicas,” ressalta o pesquisador.
62% dos entrevistados disseram ter sofrido manifestações racistas por pessoas da própria comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer. Com isso, o sociológo afirma que foi possível identificar “práticas vinculadas ao preconceito e discriminação dentro da comunidade LGBTQI+ atreladas ao comportamento heteronormativo aceito às afetividades”.
A falta de acolhimento nos movimentos sociais também foi percebida por 18% dos entrevistados. Para Thiago Damasceno, “este fato social corrobora a necessidade da atualização dos movimentos sociais às perspectivas de seus componentes, além de reforçar o ciclo de apagamentos em que o negro gay é submetido”.
100% dos entrevistados declararam que não eram assistidos pelas políticas públicas do governo federal, à época. “É notória a importância da análise destes fatos sociais, racismo e lgbtfobia, sob os processos da abordagem intersecional, afinal, foram coletados relatos significativos baseados nesta perspectiva que necessitam de um maior aprofundamento acadêmico,” pondera o pesquisador.
Abordagem inovadora
Orientador do trabalho, o professor Petrônio Domingues destaca que a abordagem inovadora e promissora da pesquisa abre caminhos para “pensar a questão da experiência de pessoas negras não dissociada da vivência delas no campo da sexualidade.”
Com o título “Negro e gay: do fetiche à discriminação”, a dissertação de Thiago Damsceno é uma das 15 finalistas do Prêmio de Teses e Dissertações da Anpocs (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). O resultado da premiação será divulgado no próximo dia 20 de outubro, em São Paulo-SP.
O estudo sobre diferenças, desigualdades e conflitos sociais contra o negro gay também virou livro. A obra foi publicada pela Editora Seduc, na coleção Paradidáticos Sergipanos, por meio da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura.
Texto e fotos de Josafá Neto/Ascom-UFS