Anita Lucchesi*
Durante os dias de isolamento por conta do Covid-19, decidi resgatar um vídeo que fiz há uns dois anos, explicando minhas razões para ser fã do Zotero. Inicialmente, fiz o vídeo sem pretensões de estar oferecendo um tutorial, era mais uma demonstração para alguns amigos com quem eu estava trabalhando na época e resolvi compartilhar o registro em nosso WhatsApp. Na época, não compartilhei logo para todos por achar que seria mais legal ampliar e fazer um tutorial de fato, abordando mais a fundo várias funcionalidades. Entre uma coisa e outra, viagem, trabalho, casamento, problemas de saúde, tese de doutorado, acabei não encontrando o bendito “tempo sobrando” e nunca mais voltando ao dito cujo. Recentemente, outro amigo me pediu para reenviar o vídeo (o link é https://youtu.be/lwablQ0v6HY) e acabei repensando a ideia de fazer um tutorial mais elaborado e achando que faria mais sentido compartilhá-lo já, como está – vai que o povo resolvia usar parte do tempo em casa para organizar as suas bibliotecas e PDFs!
Mas, afinal de contas, o que é o Zotero? É uma ferramenta livre, que ajuda quem trabalha com pesquisas a organizar as seus materiais de trabalho e referências, como livros, artigos científicos, reportagens de jornal e revistas, postagens em blogs, vídeos etc. Ele auxilia na coleta, gerenciamento e utilização das referências para citação direta em um documento e também na criação bibliografias. Utilizo o Zotero há mais de dez anos, primeiro utilizei em Windows, depois passei para o Mac e, nos dois casos, fiquei bem satisfeita. A interface da biblioteca Zotero é bem intuitiva e exige pouco esforço para quem o a experimenta pela primeira vez. A partir de um menu iconográfico, é possível criar coleções e subcoleções para temas ou projetos variados. Em pouco tempo, ganha-se mais intimidade com algumas funções menos evidentes, como a instalação de estilos de citação diferentes (ABNT, Modern Language Association, Nature etc.) e gestão inteligente dos itens de uma coleção (criação de notas, adição de tags, criação de link entre itens relacionados e identificação e eliminação dos duplicados).
Conheci a ferramenta assim que comecei a pesquisar sobre história digital, enquanto explorava os projetos do Roy Rosenzweig Center For History and New Media, da George Mason University (Virginia, EUA). Este centro é um dos precursores na pesquisa e desenvolvimento de ferramentas e plataformas voltadas para história digital, tendo desenvolvido ferramentas reconhecidas internacionalmente, como Omeka (para publicação de coleções e exposições online, como o Arquivo Digital do 11 de Setembro ou o mais recente covidmemory.lu) e Tropy (para organização e anotação de fotografias digitais, super útil para quem digitaliza muitos documentos).
Embora eu já tenha testado outras ferramentas que possuem finalidades parecidas, como o Mendeley e o EndNote, criei um carinho especial pelo Zotero, tanto pela facilidade de organizar e compartilhar referências, como pelo fato deste ser um software não comercial, idealizado principalmente para profissionais das humanidades, não apenas aos historiadores, é claro, mas também bibliotecários, educadores entre outros. Hoje guardo todos os meus “fichamentos” junto aos itens das coleções que possuo no Zotero, o que facilita muito na hora de encontrar uma anotação específica, pois é possível realizar buscar por palavras também nas anotações. Mesmo o material que tenho impresso, eu indexo no Zotero, justamente para poder guardar os fichamentos e localizá-los facilmente. Quando tenho os textos em PDF, posso anexá-los ao item de referência e utilizar o “plugin Zotfile” para gerir os arquivos. Minha função favorita do Zotfile é a extração automática das anotações dos PDFs, que economiza bastante tempo de copiar e colar cada trecho no fichamento. Além disso, o Zotfile renomeia automaticamente os arquivos PDFs para o título do item em questões e sincroniza arquivos de tablets e iPads, o que é um considerável para quem acumula PDFs em outros leitores que não apenas computadores e depois acaba não transferindo para a máquina em que escreve. Por fim, restam ainda os plugins que o Zotero oferece para Word, Google Docs e LibreOffice que permitem a inserção de referências e citações muito mais rapidamente.
Não cheguei a comentar no vídeo, mas um dos usos menos evidentes da ferramenta, que para mim se revelou muito importante, foi a utilização do Zotero para salvar páginas da Web offline e arquivá-las de um modo inteligível. Para cada item criado a partir de websites, o Zotero adiciona automaticamente um snapshot que garante a consulta àquela página mesmo que ela venha a sair do ar em algum momento. Em tempos de edição constante, os snapshots ajudam a salvar o texto tal e qual ele era no momento da sua consulta. Isso foi bem útil para mim quando pesquisei sobre extrema-direita na Internet, pois várias vezes me deparei com alterações nos conteúdos em fóruns e posts, pra não falar de alguns endereços que desapareciam antes mesmo de terem sido salvos pelo Internet Archive. Falei sobre isso, alguns anos atrás, no Seminário de em História Política e do Poder da UFF , em 2012, quando discuti a repercussão e os perigos dos discursos de ódio em blogs e redes sociais. Entre a pesquisa e o momento da minha apresentação, um dos principais blogs já tinha saído do ar, mesmo assim eu tinha acesso a tudo na íntegra, graças ao Zotero.
Por fim, para quem não quiser instalar nada, mas precisa gerar uma bibliografia rápida, o Zotero disponibiliza o ZoteroBib, que pode ser usado exclusivamente online. Eu já testei. É prático, mas como a maioria das minhas referências tem sido acumulada na biblioteca atualmente salva no meu computador, prefiro continuar por lá. Todavia, independente dessa pequena “infidelidade”, insisto: o Zotero é uma mão na roda e não só para quem trabalha com pesquisa do universo digital. Que tal tentar?
*Doutora em História pela Universidade de Luxemburgo com pesquisa desenvolvida no Centro para História Comtemporânea e Digital. anita.lucchesi@gmail.com