Dez anos após a morte, o poeta Araripe Coutinho foi tema do Mestrado defendido pelo jornalista sergipano Jaime Neto na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), na cidade de Alagoinhas. Intitulada “Araripe Coutinho: como alguém que sempre esteve aqui e as inquietações de uma poética performaticamente queer”, a pesquisa para a dissertação buscou ressaltar a poesia de Coutinho, dentro do universo Queer, trazendo assim a produção deste escritor e outros autores que estão situados à margem da sociedade, justamente, por não seguirem o padrão da heterossexualidade vigente ainda hoje. Jaime trouxe à tona escritores que, “juntos ao poeta, deixaram um legado de apontamentos decoloniais que precisamos beber dessa fonte hoje, mais que nunca”, afirma o mestre.
Foi durante a pandemia da Covid-19 que o jornalista teve a ideia de tentar o mestrado: “A priori fiquei pensativo se seria aprovado porque o tema escolhido era a poesia de um autor carioca, radicado sergipano”. Para surpresa de Jaime, desde a seleção, Araripe Coutinho despertou o interesse de todos do Programa de Crítica Cultural da UNEB. E não poderia ser diferente. Veja o que o escritor e poeta Eduardo Waack escreve sobre Coutinho: “foi uma pessoa autêntica e de personalidade forte, extrovertida, polêmica, controversa, exagerada e apaixonada pela verdadeira cultura popular”.
Jaime afirma que ao embarcar na poesia de Araripe, “me vi encontrando esse amigo íntimo. Cada aula, cada estudo, cada pesquisa… era um diálogo que eu mantinha com o poeta. falávamos o tempo inteiro, eu daqui e ele através de sua escrita”, frisa. O mestre também afirma que o poeta está muito vivo, basta abrir o livro “Amor sem rosto” de 1989, por exemplo, “que ele está lá e ficará pra sempre. Desde muito cedo ele se entendia enquanto escritor/poeta e ao longo de sua obra foi deixando verdadeiros relatos socioculturais e históricos que contam muito dele, do mundo que ele vivia e de suas dores”, afirma.
Chamou a atenção do jornalista o fato de todos na Bahia terem adorado descobrir Araripe Coutinho: “Compram os livros (pela internet), e despertam para notar que existe um apagamento vigente, tanto político quanto socio-histórico e religioso, para com a população LGBTQIAPN+.”, conta. Jaime lamenta que: “a morte de certas pessoas signifique os anulamentos delas e de suas obras, ideias… e isto não é algo apenas em Sergipe, mas mundialmente quando tratamos de figuras gays, lésbicas, trans, não-binárias, etc”, diz. Quanto ao estado de Sergipe, o jornalista observa que: “o aniquilamento social e histórico de pessoas como Araripe Coutinho e Ilma Fontes, por exemplos, vem acontecendo de forma visível e sem consequências nenhuma a quem trabalha com essa manutenção dos preconceitos”, alerta.
A monografia de mestrado sobre Araripe Coutinho foi defendida no dia 9 de abril último. O orientador de Jaime Neto foi o professor doutor Paulo César Souza Garcia, tendo a banca sido composta pelos professores doutores Djalma Thürler, da Universidade Federal da Bahia, e Edil Silva Costa, da UNEB. E por que ele escolheu tão poucos convidados para assistiram a defesa? O mestre explica ter preferido algo mais íntimo para o momento, pois sabia “que eu estava me desnudando ao falar sobre meu amigo”.
Onze livros
Araripe Coutinho publicou 11 livros de poemas, entre eles “Amor Sem Rosto” (1990), “Passarador” (1997), “O Demônio Que É O Amor” (2002) e “Como Alguém Que Nunca Esteve Aqui” (2005). Segundo Eduardo Waack, os versos do poeta são finos, repletos de erudição e amor, erotismo e ternura. Religiosidade profana”. No lançamento do livro “Obra Poética Reunida”, o saudoso Araripe recitou: “Eu não deveria ter nascido. Quando vi, estava eu aqui, meio lama no imenso mundo retratado, cheio de quadrúpedes rondando a minha sala. Pedi para voltar. Gritei muito, antes de ouvir uma voz dizendo: desça e arrase!”. Supimpa!
Por Destaquenoticias (Fotos: Arquivco pessoal)