Por Ricardo Nunes *
Vivemos em uma cidade tropical úmida, com chuvas intensas no inverno e calor o ano inteiro. Se quisermos viver em uma casa ambientalmente confortável, que nos abrigue e proteja dessas intensidades tropicais, comecemos por pensar em uma ampla sombra — uma sombra aberta, onde a brisa penetre e circule livremente, retirando o calor e a umidade. Uma sombra amena, proporcionada por uma cobertura ventilada, que reflita e isole a radiação solar. As paredes devem estar sob essa sombra, recuadas, protegidas do sol, do calor, das chuvas e da umidade, criando agradáveis áreas externas de convivência: terraços, varandas, pérgolas, jardins sombreados; locais onde se possa estar em contato com a natureza e com o límpido céu do Nordeste.
Deixemos o espaço fluir, fazendo-o livre, contínuo e desimpedido. Retomemos os avarandados, onde podemos descansar à luz do meio-dia. Como diz Gilberto Freyre, valhamo-nos dos passados úteis. Passados ressurgentes. Passados que existem como inspirações para arquiteturas que se tornem modernas sem deixarem de ser brasileiras.
Agora, vamos à questão que me move a escrever este texto: o que acontece com a arquitetura desta cidade tropical úmida, com chuvas intensas e calor o ano inteiro, que, no entanto, adotou uma forma de construir e morar em caixas fechadas por paredes e vidros, sem telhados e sem varandas? Casas que não respiram e não deixam respirar! Construções com um “estilo” que se multiplica continuamente pelos condomínios, criando a ideia de monotonia e repetição, e que não faz parte da diversidade e da criatividade da Arquitetura e dos verdadeiros arquitetos.
O que vemos é uma “arquitetura” desvinculada do contexto climático e cultural da nossa cidade. Podemos até afirmar que o que vemos não é produto da Arquitetura como uma forma específica de conhecimento, uma vez que esta arte só se realiza plenamente quando integrada à natureza em que está inserida. Então, por que arquitetos e clientes insistem em repetir esse contrassenso destituído de sentido e racionalidade? Porque está impregnada em suas almas a ideia de que somos uma colônia e que só seremos “modernos” se fizermos igual ao colonizador.
Trata-se de uma fidelidade irracional a países que têm outonos e primaveras, ao que Nélson Rodrigues classificou como “complexo de vira-lata” — um sentimento de inferioridade em relação ao que é estrangeiro e que, para compensar essa falta de autoestima, leva-nos a copiar o que é feito em Miami, por exemplo. Afinal, o que é bom para Miami “deve” ser bom para Aracaju. Mas não é!
Livremo-nos dessa dependência cultural em relação ao colonizador e trabalhemos no sentido de construir uma Arquitetura que seja uma clara expressão de nossa cultura. Uma Arquitetura sombreada, aberta, contínua, acolhedora e envolvente, que, ao nos colocar em harmonia com o ambiente tropical, incite-nos a viver integralmente nele.
* É arquiteto e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal de Sergipe.