Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *
A consolidação do Estado Moderno ocasionou, no início do Século XIX, o surgimento da Polícia como força do que hoje chamamos de Segurança Pública. Isso precisa ser dito uma vez que o Poder de Polícia do Estado é mais amplo que o poder das polícias enquanto forças de Segurança Pública. Não por acaso, a legislação define o Poder de Polícia, não na Lei Penal, mas, na legislação tributária. Deixemos o debate sobre Poder de Polícia para outro momento e sigamos.
O marco histórico do surgimento das polícias da modernidade é a criação da Polícia Metropolitana de Londres, fundada por Robert Peel – Mister Peel, para os mais íntimos – em 1829. É interessante observar que as condições dadas para tal fenômeno na Europa e em outros países como o Japão, estavam ligados, venalmente, ao processo de industrialização e urbanização, condições estas que só se repetiriam no nosso país mais de 100 anos depois, a partir dos anos 1950.
Isso precisa ser dito, uma vez que o embrião das polícias brasileiras também coincide com esse período – primeira metade do século XIX – notadamente nos anos 1830, o que pode nos sugerir algum tipo de analogia/influência, algo que não poderia ser mais errado. Afinal, não enfrentaríamos nenhum tipo de problema relacionado à industrialização ou urbanização que reclamasse o surgimento de um corpo policial tal qual ocorrera em Londres, por exemplo.
Pelo contrário, nossos problemas durante todo o século XIX sempre esteve mais relacionado à emancipação da colônia. Portanto, a reforma do sistema de segurança promovida pelo Padre Feijó, estava basicamente ligada ao contexto das lutas pela consolidação da independência do país – longe, como já dito, de questões decorrentes de industrialização ou urbanização.
Para quem tem alguma curiosidade sobre o que está posto, faço a observação que essa sistematização a respeito da gênese das polícias modernas foi feita por David Bayley, quando estudou esse fenômeno em suas obras. Faço a ressalva que há uma corrente do pensamento crítico que se opõe a ele, basicamente por ele nunca ter tirado um serviço de turno B (à noite), mas isso é assunto para outro momento mais oportuno. Mas, de toda forma, vale a pena buscar sua obra.
Voltando ao tema, já podemos perceber que as forças policiais que surgem no Brasil independente – ou pós independência – estavam muito relacionadas ao contexto dito. Tanto o é, que, na mesma década de 1830 surge ao mesmo tempo a Guarda Nacional, praticamente substituindo todas as forças que existiam à época, chegando a ter efetivo maior que o do exército, com efetivos de cavalaria e infantaria. Aqui em Sergipe, a Guarda Nacional chegou a ser constituída por 22 batalhões, ao mesmo tempo em que a Força Pública da Província possuía um Batalhão.
Pois bem, diante desse contexto somemos o fato que o Corpo Policial enfrentou constantes problemas de remuneração e equipamento. O próprio Imperador Pedro II, ao visitar a Província, observou a situação difícil da Força.
É nesse diapasão que algum tempo depois teremos o primeiro momento em que os Sergipanos são alijados de sua Força Policial.
Ao chegarmos na década de 1870, a Província luta pela manutenção da sua Força Pública, devido aos já ditos problemas de remuneração e logística, refletindo-se na disciplina desse contingente, que não era militar, tal qual o entendemos hoje. Em 1873, desencadeia-se um processo de reforma do corpo de polícia que, no ano seguinte (1874), terminaria com sua extinção e a concomitante criação das Guardas Municipais. Sendo que, no ano seguinte, 1875, a Província foi autorizada a criar uma companhia de Polícia em Aracaju.
Entretanto, não demoraria, em 1876 o Corpo de Polícia era recriado, reaproveitando os Officiaes da força extinta e os Officiaes honorários do Exército.
Interessante saber que, por ocasião da Guerra do Paraguai, todo o efetivo da Força Pública foi designado para integrar o 19º Corpo de Voluntários da Pátria, sob comando do Tenente Coronel do Exército Domingos José da Costa Pereira, tendo embarcado em 17 de abril de 1865, certamente esse embarque aconteceu a partir do centro histórico de São Cristóvão.
Nesse ano, foi criado uma outra força, o Corpo Provisório de Polícia, para assegurar a segurança da Província.
Outro momento nevrálgico na História de nossa Força Pública, deu-se ainda no século XIX, já no período republicano e a instabilidade política que marcou a consolidação da República.
Em 04 de Setembro daquele ano, o então Corpo de Segurança marchou capitaneado pelo Padre Olímpio Campos (segundo jornais de época) e tomou o Palácio do Governo (hoje, Palácio Museu), depondo o Padre Antônio Leonardo da Silveira Dantas que herdara o posto de Oliveira Valadão, mas, com o intuito efetivo de evitar a posse do novo governante eleito, Martinho Garcez, prevista para fins daquele mesmo mês.
O movimento foi imediatamente debelado, assim que, o Presidente Prudente de Morais determinou o 26º Batalhão de Infantaria do Exército providenciasse o reestabelecimento da ordem, sendo observado até o dia subsequente.
Nos dias seguintes, o governo do Estado extinguiu o 1º e 2º Corpos de Segurança, devido à adesão destes ao movimento rebelde do dia 04 daquele mês, que denotava a falta de confiança do governo para com a força policial.
Por certo que logo a força pública foi reestruturada, com um novo efetivo da confiança do governo.
O detalhe que salta aos olhos é que os relatos da oposição acusada de participação no levante, nos dias próximos, foram no sentido de que a sublevação da força pública se deu de forma espontânea e independente das lideranças políticas oposicionistas. No final, sobrou para a polícia. Para a oposição, a grande beneficiada caso o putsch se estabelecesse, o movimento foi obra pura da Força Policial. Curioso.
Enfim, em outros momentos, como na Sabinada (Bahia) e na Cabanagem (PE e AL), a força policial sergipana foi designada para atuar em apoio, mas, nesses casos, a força policial não foi extinta, como nos dois casos que trouxemos à baila. O mesmo, dar-se-ia ainda, em futuro próximo, por ocasião dos fatos que sucederam em Canudos.
Mesmo assim, de fato, não houve em tais períodos uma ausência total de força policial na Província/Estado, uma vez que independentemente de qualquer coisa efetivos da Guarda Nacional – a Milícia Cidadã – eram uma realidade em todos os rincões, o que não permitia, de fato, que cidades e arruados funcionaram sem a mínima segurança de então. Mas, olhando com os olhos de hoje é curioso pensar que em alguma época ficamos, mesmo por pouco tempo, sem polícia.
* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)