Por Manoel Moacir Costa Macêdo *
A história da humanidade é o registro de conflitos, conquistas, poder e domínio de bens e pessoa. Generosidade e solidariedade são exceções. A era imperial assentou a exploração de semelhantes. A barbárie medieval averbou guerras frontais entre criaturas, vidas ceifadas sob golpes frios de espadas e pisadas de cavalos. Guerreiros bárbaros alimentados por sangue de cavalos, como fortificante para sangrentos combates, a exemplo dos temidos mongóis.
O afamado Coliseu, magistral obra da engenharia romana, exemplo de espaço de horrores. Torcidas em camarins, apreciavam com hora marcada, a carnificina entre humanos. Peleja da época, delírios de seleta plateia aos que golpeavam com alvo certeiro e sem padecer a vida do outro – o bem maior da existência. Ao vencedor, o troféu da morte. Emoções na impiedosa arena. Masoquistas frente à soltura de humanos à gula feroz de animais selvagens, devorados aos pedaços por famintos leões, no instinto selvagem de comida pelo maior predador da cadeia alimentar. Humanos degustados por feras apenas por serem cristãos. No tempo da humanidade, esses horrores não estão distantes do atual status quo.
No correr do tempo, registros às agruras dos impérios, antecedentes dos contemporâneos estado-nação. Mais de cem milhões de pessoas foram mortas em tragédias e conflitos no século que a pouco se foi. Na brasilidade, está grudada a impiedosa herança da escravidão negra. Humanos marcados a ferro e fogo, vendidos, vilipendiados de tudo, destituídos de alma e negociados mercantilmente pela espessura corporal, altura, abdômen, braços e pernas, apenas por serem negros. Reproduções de crianças negras para venda como escravos. Colônias africanas libertadas pelo martírio da guerra civil na metade da década de setenta. Evidências da brutalidade humana. Frente a tanta desumanidade, os humanos carecem de tempo para acolherem a justiça e o humanismo.
As pandemias seguem o rumo da história. No passado elas resolviam sozinhas, contaminavam, matavam e sumiam. Inaceitável na ética das sociedades modernas. Elas não sacrificam todos por igual, pesam desigualmente para os vulneráveis, vítimas da pobreza e da miséria. A quarentena da Covid-19, pode ser segmentada por humanos em “quarentena horizontal, vertical e sem quarentena”. Diferenças na engenharia, na contabilidade e na sociologia. O coronavírus não atacou igualmente os seus hospedeiros. Ele seguiu os caminhos da desigualdade. Os ataques foram em distintos endereços. Inicialmente atacou os endinheirados, que transportaram o vírus do exterior e infectaram os nativos. Como desiguais, foram protegidos, acudidos e sobreviveram. As mortes multiplicaram-se velozmente nos endereços da periferia, dos pobres, esquecidos, abandonados e invisíveis. Vítimas do colapso do sofrível sistema público de saúde.
Os sofreres na pandemia são diferenciados. A quarentena é uma terapia compulsória. Mas, não são similares entre as criaturas, ao contrário são estratificadas e desiguais. A quarentena da minoria nas mansões horizontais e apartamentos sofisticados de condomínios verticais. Não estão incluídos nessa verticalidade, as favelas e prédios populares e periféricos, mas os luxuosos à beira-mar, beira-rio, beira- parque, beira-lago, beira-sol e beira-avenida. A quarentena vertical é separatista na essência. Egoísta na segregação. Seletiva nos acudimentos. Autoridades, em vez de vizinhos. Interesses ao invés de camaradagem. Indiferença no lugar de acolhimento. Opaca por fora e colorida no interior por pretos. Viver de cima para baixo num aglomerado vertical de solidão. Superioridade e arrogância sobre os de baixo. Consentida desigualdade social na verticalidade e horizontalidade, numa falsa humanidade como única.
O sonho de uma humanidade coletiva, piedosa e inclusiva pós-Covid-19, é improvável. Caminho longo a percorrer na desejada transição planetária. Curar primeiro a si, a seguir o próximo e adiante a humanidade. Reformar-se primeiro. A história prospecta para o presente, as referências do passado, com as adaptações do seu tempo. Para o cientista social Zander Navarro, “não haverá uma nova sociedade, com o fim da globalização e do neoliberalismo, substituídos por comportamentos mais humanos e caminhos alternativos para seguirmos. O pós-pandemia produzirá mais desigualdade, regulação, desemprego e aprofundamento da dominação geral pelo capital”. “Não há justiça na história”.
* É engenheiro agrônomo e advogado