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Que o alimento seja o seu veneno

Por Antonio Samarone *

São João é festejado como um deus amável e dionísico, com farta alimentação, músicas, danças e bebidas. Dizem que no dia da festa o Santo dorme, para evitar a tentação do clarão das fogueiras e descer do céu.

João era primo de Jesus, nasceu em 24 de junho e morreu degolado no Castelo de Macheros, na Palestina. A sua cabeça foi entregue numa bandeja. Um pedido de Salomé.

A festa que veio de Portugal, foi logo incorporada pelos índios. Fernão Cardim cita as fogueiras nas Aldeias, comemorando São João, já em 1583. Os índios praticavam a coivara. A festa logo caiu no gosto.

As festas juninas acirram um conflito no idoso, entre os limites dos desejos. O banquete é divino, entretanto o corpo não suporta a explosão dos açucares no sangue. O corpo pede, suplica, implora pelos venenos da culinária.

A diabetes canta e dança com a fartura com a farra junina!

A medicina prescreve uma dieta penitencial, proíbe tudo o que se gosta, com a ilusória promessa de redução dos danos. As canjicas, manauês, mingaus e guloseimas afins, são classificadas como venenos, e proibidos.

O mingau de puba com canela é um herança ancestral profunda. Está inscrita no DNA.

Por outro lado, entre os pecados capitais, só nos resta a gula. Condenar a gula em quem passou fome é uma crueldade. Os anos de vacas magras são longos.

Um dilema sem solução: submeter-se as regras da medicina e tornar a vida insossa, ou ceder alegremente a gulodice e submeter-se as consequências.

Sei não! Findo cedendo a lógica que é só um pedacinho e é só hoje. Nunca é um pedacinho.

As pessoas próximas não ajudam. Uns incentivam, por maldade: besteira, pouco não faz mal. Outros, também por maldade, fazem medo: não coma, a sua glicemia já está alta e as sequelas são fatais.

Você é quem sabe, se eximiu por maldade um velho compadre de fogueira.

O pior, até a minha consciência é por maldade dividida. O hemisfério cerebral esquerdo manda comer e o direito aconselha o jejum.

O glutão é ao mesmo tempo morte, vida, alegria e sofrimento.

Para rebater o peso na consciência pela comilança do São João, logo cedo, mandei fazer um cuscuz de milho ralado, com manteiga do sertão e meia dúzia de ovos caipiras, malpassados.

“Se João soubesse/ Quando era o seu dia/ Descia do céu a terra/ Com prazer e alegria.!”

Que venha o São Pedro!

* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.

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