Governo Mitidieri trata policiais a pão e água
16 de março de 2023
Ações estratégicas mantêm Aracaju fora do índice das cidades mais violentas do mundo
16 de março de 2023
Exibir tudo

Quem mandava no 28 BC em 1964

Por Afonso Nascimento *

Paulo Barbosa (1937-2000) foi um economista e jornalista sergipano. Teve vários empregos na sua carreira profissional. Trabalhou nos Correios, no jornal “Gazeta de Sergipe”, no jornal “O Estado de São Paulo” como correspondente, na Secretaria de Estado do Planejamento, nas universidades federal (UFS) e estadual (UNIT) sergipanas e no Curso Paulo Freire em 1964. Morreu aos sessenta e três anos, depois de uma luta inglória contra um câncer.

Perto de seu fim, decidiu escrever suas memórias políticas sobre o período do regime militar (1964-1985), as quais estão registradas em livro intitulado “Ícones de um terremoto” (BARBOSA DE ARAUJO, Paulo. Os ícones de um terremoto. Golpe militar, repressão e resistência política. Aracaju: Editora Diário Oficial, 2010.), que é uma obra póstuma. De acordo a viúva de Paulo Barbosa, a senhora Osa Barbosa, ela contou com a ajuda de Luiz Eduardo Oliva, Milton Alves e Antônio Bittencourt na fase da impress&atild e;o do livro. Sobre o livro tenho a dizer que as experiências políticas de Paulo Barbosa dizem respeito à sua prisão em 1964, época em que era estudante universitário e funcionário dos Correios. Na sua única prisão, ele ficou detido pouco mais de dois meses.

O seu livro é de muito alto nível e tem duas partes, uma mais geral e outra em que faz relatos concretos de fatos, de pessoas e de processos. Não sei se, quando de sua prisão em 1964, ele já era “gramsciano”, mas nesse livro são muitas as referências a Antônio Gramsci, grande intelectual e militante político do Partido Comunista Italiano (PCI). O meu interesse pelo seu livro reside na segunda parte porque ela dá uma ideia de como funcionou o Quartel do 28 BC nos meses que se seguiram ao golpe militar de 1964. (Todas as citaç& otilde;es abaixo foram retiradas do capítulo quinto (“O vice rei de Sergipe”) do livro de Paulo Barbosa.)

De acordo com Paulo Barbosa, os militares do Exército ocuparam a praça Fausto Cardoso ainda no dia 31 de março de 1964. No final da tarde do mesmo dia, dispersaram populares curiosos e interessados em saber quais os desdobramentos daquela ação política. À noite, o governador Seixas Dória foi preso no Palácio Olímpio Campos, depois de fazer pronunciamento pelo rádio. O seu destino de preso político será então a cidade de Salvador e depois a ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco.

Ainda durante à noite, tropas do Exército se dirigiram ao prédio da Leste Brasileiro onde tinha lugar uma reunião política e seus participantes debatiam se fariam resistência ao golpe militar. Com a chegada das tropas militares, alguns militantes conseguiram escapar, enquanto a maioria foi detida e enviada à caserna da colina do bairro 18 do Forte. Nos dias e meses que estavam por vir, a rotina dos militares consistiu na busca de documentos, livros e outras provas materiais, prisões e tomada de depoimentos de pessoas por eles consideradas “subversivas “, um rótulo para estudantes, sindicalistas, comunistas, militantes católicos, funcionários públicos, políticos, educadores, etc. No meio desse imbróglio político, até cidadãos sem qualquer envolvimento com política foram presos – mais tarde liberados – depois de serem delatados por inimigos.

Quando escrevi alguns textos sobre o major João Teles, já tinha chegado à conclusão de que existia uma ala de militares leandristas, isto é, seguidores do líder udenista Leandro Maciel entre os quadros militares. Era impossível que a divisão política entre sergipanos ligados ao PSD/PR e à UDN leandrista não atravessasse a população militar. Naquele tempo, ser leandrista quase certamente significava ser golpista; era como ser lacerdista no Rio de Janeiro. O outro grupo de militares apontado por Paulo Barbosa é aquel e dos militares pertencentes à Grande Loja Maçônica de Aracaju.

E não eram poucos! Aparentemente, a começar pelo comandante do 28 BC, o coronel Silveira. Alguns desses militares maçons estavam ligados ao serviço secreto do Exército. Chegado a esse ponto, eu me permito acrescentar outro grupo entre os militares da guarnição em Sergipe. Refiro-me aos militares comunistas no 28º. BC que pertenciam ao chamado “setor militar” do PCB que, por sua vez, podiam ser seguidores de João Goulart, de Arraes e de Brizola.

O livro de Paulo Barbosa coloca e responde a seguinte pergunta: quem mandava no 28 BC naqueles tempos de prisões e tomadas de depoimentos dos presos políticos? Para ele, o sergipano Humberto Melo, chefe do Estado Maior da IV Região, em Salvador, que já tinha sido comandante do 28 BC, não era o manda-chuva, embora leandrista. O mesmo seja dito quanto ao então comandante da guarnição em Sergipe, o já mencionado coronel Silveira, também maçom, que n&atil de;o era sergipano e não conhecia bem os chamados “subversivos” da terra; assim como o seu vice, Joalbo Barbosa.

Djenal Tavares de Queiroz, mais tarde general e político profissional, era influente porém não estava no topo da hierarquia do poder real (e não de patente!). O coronel Max Ribeiro, empresário, filho das classes proprietárias sergipanas, era um “temido repressor”, “um dos líderes de 64 em Sergipe”. O militar mais poderoso do 28 BC se chamava José Cândido Rabelo Leite, conhecido como “tenente Rabelo”. Aqui está uma grande contribuição do livro de Paulo Barbosa.

Ao apontar o tenente Rabelo como o poderoso chefão da caserna sergipana, ele queria dizer que, em minhas palavras, nem sempre quem tem cargo associado ao poder, em tempos normais, tem o poder. Imagine você em tempos de turbulência política, depois de ter havido um golpe militar e sendo colocada a questão de como consolidá-lo! No caso do tenente Rabelo, outro maçom, ele conhecia muitos daqueles que estavam sendo presos, sem esquecer suas relações políticas e familiares.

Quem era o tenente Rabelo? Paulo Barbosa diz que ele era sergipano que “sabia utilizar o seu poder de forma rude, cruel, sempre a serviço do Movimento Armado”. Ele não frequentou colégios e academias militares. Entrou no Exército como praça, soldado raso. Foi mandado para o norte da Itália como membro da Força Expedicionária Brasileira (FEB), por ocasião da II Guerra Mundial. Na Europa não ficou conhecido por bravura nos combates armados, mas por ter ficado um tempão em um hospital e por ter construídos laços com o serviço secreto do Exército norte-americano. Na sua volta, continuou no 28 BC.

Quando aconteceu o golpe militar de 1964, ele passou a ter um papel importante nos seus desdobramentos político-repressivos. Paulo Barbosa diz que ele era “o vice-rei de Sergipe”, no sentido de que era como os antigos vice-reis do Brasil dos tempos coloniais. Embora não tenha escrito, Paulo Barbosa também pode ter pensado em Juarez Távora, militar e político cognominado de “rei do Norte” após a Revolução de 1930.

Ainda sobre o tenente Rabelo (depois promovido a capitão), Paulo Barbosa o descreve como alguém que se expunha como defensor agressivo do golpe e do regime militar nascente. Era um “mentor ideológico” ou “uma das figuras lendárias da repressão em Sergipe”. Ou ainda “foi quem comandou todo o processo de repressão visível em Sergipe”. Ele liderou “todo o processo de prisões e de depoimentos”. Nesse tempo de muita tensão política no quartel e nas casas dos presos políticos e das pessoas sem saber se seriam chamadas, tempo de entra-e-sai de jipes e de caminhões do Exército (herança do Exército americano na II Guerra Mundial) trazendo e levando pessoas suspeitas de serem “subversivas” e de muitos gritos dados por militares, o tenente Rabelo era um militar da confiança do comandante do 28 BC. Tinha acesso aos “informes dos órgãos de segurança que indicavam quais eram os políticos que faziam toda a movimentação em prol das mudanças antes e depois de 1964”.

Para terminar este texto, quero relatar um fato que aconteceu durante o processo de prisão e de oitiva de presos políticos em 1964. Segundo Paulo Barbosa, certo dia apareceu um homem procurando o tenente Rabelo no Quartel do 28 BC. Quando isso acontecia, o soldado de sentinela estava orientado a enviar visitas a um salão onde estavam outras pessoas detidas. O raciocínio era o seguinte: a pessoa era ou alguém convocado para depor ou alguém que queria fazer uma delação.

No caso em tela, não era nem uma coisa, nem outra. Depois de alguns dias no cárcere, o infeliz visitante foi percebido no meio dos presos políticos pelo tenente Rabelo que lhe perguntou o que ele fazia ali. Ele então lhe respondeu que viera receber o dinheiro relativo a uma carne que ele vendera ao tenente Rabelo e fora mandado para aquela cela. Não escondendo a sua irritação, mandou o homem simples sair daquele grupo e procurou saber quem tinha feito aquilo!

* É professor aposentado do Departamento de Direito da UFS

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *