Por Antonio Samarone *
O verbete pessoal é um filhote bastardo das biografias. Eu escrevo verbetes, de vez em quando. Quase sempre elogiosos. Geralmente, verbetes de gente simples, que nunca terão uma biografia.
Lira Neto acaba de publicar o opúsculo “A Arte da Biografia”. Um manual indispensável aos biógrafos. Como escrever histórias de vida, retratos das almas.
Lira Neto alerta para as biografias encomendadas. São hagiografias típicas. Lembram a “Legenda Áurea”, escrita pelo padre dominicano Jacopo de Varazze.
O biografado parece um predestinado, um indivíduo exemplar, um herói, um sábio, quase um santo. No final, a família do homenageado pode fazer uma leitura prévia, antes da publicação, buscando reparar pequenos lapsos.
Os agraciados com essas biografias encomendadas, não são homens comuns, com virtudes e defeitos. São semideuses. Ainda vivos, as redes sociais são repletas de elogios a esses heróis. O poder e a riqueza apagam as vilanias e acentua a competência, mesmo as limitadas.
Quando o biógrafo é talentoso, os elogios são discretos e passam para os leitores desavisados como verdadeiros. Em outros casos, a exaltação é exagerada. Até os desatentos percebem.
Não compartilho com a crença dos clássicos Marx e Durkheim, para quem as biografias são inúteis, pouco representam, pois os indivíduos não fazem a própria história. As circunstâncias já as encontram prontas. Marx e Durkheim descredenciaram os indivíduos.
Para eles, a história depende das ações coletivas e das estruturas.
Sei não, eu acho que as histórias dos grandes homens contam boa parte da história do mundo. Aprendi muito lendo biografias. Uma confidência: geralmente, acho os livros de história, os acadêmicos, chatos e presunçosos. Algumas vezes parciais.
Eu mudei a impressão sobre o Padre Cícero e conheci uma parte da história do Ceará, com a leitura da biografia escrita por Lira Neto. A biografia mostra o Padre em suas contradições.
Depois da leitura, eu concluir: o Padim Ciço é santo. Não preciso que a Igreja aprove a minha fé. Não se precipitem: eu também acho que Antonio Conselheiro deva ser canonizado.
As razões são longas e impregnadas de subjetividades.
Gosto de ler biografias. Mesmo as encomendadas.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.