Por Manoel Moacir Costa Macêdo *
A etnia brasileira carrega na sua origem a diversidade racial. Um (des)encontro miscigenado de indígenas, europeus e africanos. Os mecanismos de controle social incutiram no imaginário da população, a existência de uma pacífica “democracia racial”, onde aqui “ninguém é racista”. Em verdade, predomina o racismo estrutural, pela cor da pele. A maioria dos brasileiros, reconhece a existência de preconceito racial, não como uma mazela atual, mas uma reminiscência da escravidão, debitada a história pátria. Outra forma de dizer: somos uma “ilha de democracia racial”, cercada de racistas por todos os lados.
No modo de produção colonial por exploração, poucos ganham e muitos perdem. Uma forma de extração de mercadorias, a exemplo do pau-brasil, do ouro, do diamante, da cana-de-açúcar, da seringueira, do algodão, do cacau, da pecuária, entre outros. Produção capitalista com acumulação e “mais-valia-absoluta”. Cerca de seis milhões de africanos foram trazidos como escravos ao Brasil até o do Século XVII. Estima-se que quinhentos mil morreram nas penúrias impiedosas dos navios negreiros da África ao destino pátrio. Em Sergipe, nessa mesma época, 78% da população era escrava e negra.
Economia colonial baseada no trabalho escravo, como máquinas de carne e osso, destituídas de alma, de sentir, de ir, vir e sonhar. Usados como “quase-tudo” na casa-grande, engenhos e fazendas. Humanos vendidos pela largura do corpo e sanidade dos dentes. Descartados como ferramentas, reduzida expectativa de vida e capacidade produtiva de dez anos de trabalho útil. Nesse doloroso processo produtivo, os estamentos superiores, majoritariamente de europeus, concentravam a riqueza, o mando, a punição e os privilégios. No inferior, apodreciam os escravos negros na pobreza, subordinação, miséria, dores e sofreres.
A escravidão negra brasileira, foi a mais duradoura das Américas. Deixou rastros persistentes de discriminação e racismo, escamoteados na atualidade em formas sutis e perversas. 54% da população brasileira é negra, mas a diferença entre os brancos e os negros é enorme no trabalho, nas mortes pela violência, no desemprego e nos poderes da república, entre outras discriminações. 72% das vítimas de homicídios são negros. Nos 10% mais pobres, os negros são majoritários. O desemprego entre os negros é 50% superior ao restante da sociedade. A renda dos negros é metade dos brancos. O analfabetismo nos negros é o dobro dos demais. Os negros têm menor acesso ao sistema de saúde e morrem mais cedo. Também é o grupo populacional brasileiro predominante no sistema prisional.
O racismo é uma herança de modos medievais de explorar e descriminar, os humanos. Uma chaga aberta pela desigualdade e expressa pela cor da pele. Nas regiões destacadas como ricas e alvas do Brasil, o racismo substitui os negros por “baianos, paraíbas, caboclos e caipiras” pobres. Também inclui os nordestinos, como alvos preferenciais dos grupos reacionários e de inspiração nazista. O racismo e as ardis consequências não estão circunscritos aos aspectos físicos, mas abrange o conteúdo social, antropológico, econômico e político, a exemplo da resistência às ações afirmativas e a distribuição da riqueza. Racismo, preconceito, injustiça e desigualdade estão interligados. Expiações persistentes numa sociedade cristã, e contabilizadas inexoravelmente na pós-materialidade.
* É engenheiro e advogado