Por C. Mendes *
No “boudoir” perfumado pelo aroma das rozas e das malvas, onde poucos raios do sol penetram através das cortinas, a delicada viscondessa de Belvélise, pallida e triste, estava reclinada entre rendas, sobre a”chaise longe“, e seus pés nús mostravam os rosados calcanhares que sahiam das chinelinhas marchetadas de pérolas.
O médico, elegante, jovem, bonito, de mãos longas, tomava-lhe o pulso sob as rendas que apertava-lhe a manga.
– É grave, não acha doutor? disse ella com um bello arrepio que bem imita a febre.
-Muito grave, disse ele.
-Uma doença de languidez, estou convicto disso.
-Realmente.
-E qual a causa?
– Eu creio senhora, que há duas causas.
– Duas? O Sr. surpreende-me.
– Quais são ellas? Diga-me depressa.
Entretando, sorrindo, ele parecia hesitar.
– Bem, Sr., diga estas causas?
-Os vinte annos de V. Exª., e os sessenta do Sr. seu marido.
– Oh! doutor!
Ella corou e parecia nada mais sofrer.
Elle continuou:
– Tem notado V. Exª. como as flores de seu “boudoir” desfalecem e murcham, palidas e tristes, quando não recebem a tépida carícia do orvalho? As mulheres assemelham-se às flores, e os médicos neste ponto estão de acordo com os poetas.
Depois de um breve silêncio:
E… o remédio? Perguntou ella.
– As rozas recuperam a vida, senhora, depois que sobre ellas caem alguns pingos de chuva.
Desta vez a viscondessa enrubesceo, e voltando-se para a parede ocultou o rosto com seus cabelos em desalinho.
O médico pensou que era imprudência prolongar a visita e comprimentando-a dirigio-se para a porta.
Doutor? murmurou ella.
Elle voltou-se
– Está certo de que não existe outro remédio?
– Bem certo, senhora.
Ella suspirou… Ele ia sair.
– Então, – disse ella, com a voz ainda mais fraca – por que vae embora?
* Texto pulbicado no jornal de Laranjeiras (SE), O Horizonte, em 4 de setembro de 1885.
Foto: Estofados Jarim