Por Marcelo Rocha *
Em 2002, quando comecei a trabalhar como Oficial de Operações pela então Companhia de Rádio Patrulha, tinha por rotina do serviço, estar em contato não apenas com a tropa no terreno, mas também com o Capitão que tirava o serviço no então COPOM: o Coordenador de Operações, instância superior à qual tinha que me reportar e de onde emanavam-se as ordens.
Na ocasião, vindo do interior, minha primeira lotação, tive a oportunidade de conhecer outros oficiais da corporação, naquele momento que faziam poucos meses que havia, como se diz no jargão militar, “passado a pronto”.
Foi nesse ínterim, em contato com outros capitães, que conheci o Capitão Ferraz.
Carrancundo, circunspecto e de olhar fulminante, me assustavam os contatos iniciais com aquele “mago”. Magro de ruim, ouviria depois e, mais importante, concordaria. Pior, concordo até hoje.
Vencidas as barreiras iniciais, observei-o por um outro ângulo.
Era de fato um oficial firme, de decisões e, principalmente, de posturas. Dotado de um enorme profissionalismo. Extremamente perspicaz, além de uma privilegiada memória, capaz de rememorar facilmente fatos ocorridos na segurança pública de Sergipe, desde 1988, ano em que adentrou a briosa como soldado. E não só isso, era humano. Tinha a característica de ser incisivo sempre que necessário – frise-se sempre que necessário – independente de agradar ou não. Ora, nada mais humano, se considerarmos que a vida é uma escola e que sendo alunos, precisamos de professores rígidos, mas não sádicos ou psicopatas. No caso, suas ações eram sempre, eminentemente técnicas.
Eis o nascimento de uma relação de amizade profissional, mas não apenas, também uma relação de admiração, pois além disso, sempre se mostrou um profissional corajoso em defender suas posições e fazer o certo. Não o certo de agradar ou de colher benefícios pessoais, mas de fazer o certo, conforme deve agir um servidor público imbuído do sentimento de dever – de compromisso com a sociedade.
Não demoraria, logo iríamos trabalhar juntos. E a oportunidade deu-se no exercício de suas qualidades, quando lhe foi paga mais uma missão de assumir uma subunidade que precisava respirar novos ares, naquele momento, seu perfil de honestidade e zelo profissional lhe faziam a pessoa certa para tal mister.
Passaríamos alguns meses nessa missão, até que mesmo eu tendo sido transferido de lotação, por um pedido pessoal, coloquei-me à disposição voluntariamente para ajudá-lo por ocasião do desfile de 7 de Setembro, pois lhe faltavam oficiais para compor a parada.
Aquela foi a primeira ocasião em que pude factualmente agradecê-lo pelo aprendizado que já adquiria dos seus exemplos de ação, postura e liderança. O fiz através da lealdade.
Infelizmente, nunca mais teria a oportunidade de dividirmos o mesmo espaço profissional e nunca mais trabalharíamos juntos. Mas a consideração, admiração e o respeito nunca deixaram de existir, pior, de crescer. Pois o mago sempre manteve a coerência. Mesmo passando por situações difíceis, nunca se acovardou e, pior, nunca deixou de manter a cabeça erguida. Como um homem digno.
Agora, José Raimundo Ferraz, ainda Tenente Coronel, consegue fechar seus últimos ciclos dentro da corporação. Tendo muito a agradecer ao governador do Estado, que promoveu recentemente ajustes importantes nas carreiras da corporação, meu amigo Ferraz hoje aguarda os trâmites que resultarão em sua promoção ao último posto da carreira e na subsequente aposentadoria, da qual irá muito desfrutar, uma vez que planejou-se para tal, pelo que ouço falar em Riachuelo.
A polícia perde um excelente quadro, o que não se trata de um lamento, mas apenas de constatação. Faz parte.
Enfim trata-se de um homem que admiro de graça, uma das reservas morais da instituição que conheci. A ficha ainda não caiu, em relação ao fato de que não mais terei por perto – na corporação – aquele amigo com quem poderia contar com tudo, desde a boa vontade à sinceridade – por mais dolorida que fosse.
Apesar de não ser afeito a elogios, pois se os falsos já não valem nada, mesmo os sinceros, se exagerados, são capazes de estimular o que de pior há nos seres humanos, não tenho como não fazer esse preito de reconhecimento, até porque, como diz ele mesmo, a lealdade não é uma opção, mas uma das marcas da sua dignidade.
Hoje tenho a segunda oportunidade de lhe agradecer por tudo que representa para mim, enquanto profissional. Bom ou ruim, parte do profissional que sou vem da sua forja:
Obrigado, Coronel QOPM José Raimundo Ferraz!
* É tenente coronel, membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço. email eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br