Seu Arivaldo, o homem que fechou a BR-101 em Sergipe
18 de maio de 2024
Cinco barragens públicas de Sergipe estão cheias
18 de maio de 2024
Exibir tudo

Só bebo Coca Cola com Run Montilla

Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *

A rotina dos cursos militares de formação seja para Praça (Soldado, Cabo, etc)  e Oficial (Tenente, Capitão, etc) carreia uma específicidade que enfatiza  aspectos como obediência e vigor físico. Ao mesmo tempo, o exercício da formação militar lança mão de técnicas e/ou estratégias que auxiliam na lide com os limites físicos, bem como a motivação pessoal, para lidar com tais situações.

(Clique na imagem para ampliar)

Nesse contexto, recordo de um exemplo que nos parece bem comum, no sentido de ser de conhecimento da maioria de nós. Falo do uso de canções nos treinamentos de corrida. Como disse, em algum momento, nem que seja em um filme, nos já vimos uma tropa em deslocamento desse tipo, entoando canções que, às vezes, soam até engraçadas.

Não tendo conhecimento técnico para afirmar que cantar durante uma corrida possui um efeito físico/psicológico x ou y no desempenho desse exercício, posso afirmar de cátedra que a divisão da atenção entre o exercício e o entoar da canção ajuda a lidar com as dores naturais de um exercício de alto impacto, como o é uma corrida.

Pois bem, seguindo o viés, outro recurso importante – agora na vida militar, vista de forma ampla – são as bandas militares. Apesar de que hoje a marca do seu emprego são  apresentações artísticas e a expertise em dobrados/hinos militares, meio que esquecemos ou não atentamos sobre serem elas uma criação pragmática para emprego junto às composições militares (tropas), afinal, no militarismo nada surge ou desaparece sem que haja um sentido pragmático a respeito. Guerra não permite jogar dados.

Bandas Militares, historicamente caracterizaram-se pelo uso de instrumentos de alta intensidade sonora e de fácil condução sob deslocamento à pé, ao mesmo tempo que são tocados. Afinal, sendo o carro a combustão é invenção da virada do século XIX/XX, podemos entender que até então os deslocamentos de tropas terrestres eram feitos à pé, montados ou através de trens. Mas certamente, o meio mais utilizado dos 3, na prática cotidiana, certamente era o meio à pé.

E se pensarmos em deslocamentos da ordem de centenas de quilômetros, a presença de música nos parece ser algo bem vindo. Assim, o emprego de uma banda militar seguia um padrão de necessidade útil, como o toque de tambor para cadenciar a marcha do deslocamento ou mesmo o uso da corneta para determinar uma ordem de comando incapaz de ser ouvida por toda uma composição de batalhão completa – por exemplo, devido às limitações da voz humana do seu comandante.

Exceção feita ao querido Coronel Moura Brasil da PMCE, que ao ser indagado se era verdade que ele comandava a tropa verbalmente sem necessidade do Piquete (Corneteiro), ele respondia todo humilde que só fazia isso quando era “uma tropazinha de 1000 homens”.

Enfim, de um modo geral, apesar de todo o esforço até se chegar à hora certa dos desfiles, posso afirmar que sempre foi contagiante o momento em que é para valer, ao se adentrar na avenida, acompanhado (ou acompanhando) do toque das canções.

São canções épicas, compostas diante da peculiaridade dos instrumentos mais usuais, como citamos e que, por isso, difíceis de serem ignoradas. Existem vários “dobrados” (o nome dado a um subgenero de marchas militares) e, dentre eles, há um bastante executado, inclusive, hodiernamente, composto por um militar da Polícia de Sergipe: o Dobrado “4 Tenentes”, certamente um dos mais belos compostos por um brasileiro.

Seu autor é o Capitão José Machado dos Santos (lagartense) que ingressou na então Força Pública de Sergipe em 1926, já com o viés de aprendiz de música. Tornaria-se um excelente músico, que gostava de tocar Bombardino. Concomitantemente, desempenhou função de Mestre de Música no Colégio Salesiano, por exemplo.

Ao ser promovido a Regente (2º Tenente Músico), dizem que houve bastante comemoração por parte de José Machado dos Santos e de mais 3 outros amigos, também Tenentes. E o resultado de tal felicidade teria sido a causa do surgimento do Dobrado “4 Tenentes”, que seria a soma do próprio Machado aos outros três, que seriam José dos Santos Graça, José Batista dos Anjos e José de Oliva Freire.

Dizem  – não entendo nada de música, por isso não posso afirmar – que o dobrado possui frases de palhetas que beiram a perfeição e mereceram uma premiação à época.  Além disso, possui trechos excelentes para se trabalhar dedilhado e articulação, além de ser rápido (126 a 130 bpm) e possuir muitas variações de tonalidade, passando de Si bemol menor, Si bemol maior e Ré bemol maior. Enfim, é bastante agradável de ouvir e de desfilar sob sua execução.

Ao final, depois de tudo isso, comentemos  que o militar sempre cria estratégias para entender melhor ou identificar situações. E o nosso dobrado não ficaria de fora de tantas possibilidades de ajuste, sendo a canção tão executada desde sempre. De modo que um “macete” resultou na criação de versos encaixados em algum momento de sua execução ele foi vítima da tentação de por uma letra não existente num trecho de música ou em uma musica toda.

Daí surgiu, nesse magnífico dobrado, o seguinte verso etílico: “só bebo coca cola com rum montilla”.

Para quem tiver a curiosidade de entender em qual local esses versos se encaixaram,  basta pesquisar videos sobre o referido dobrado e, considerando a variação das versões, a referida passagem pode ser ouvida após os 30 segundos iniciais.

E tenho visto.

P.S. corroborando o dito sobre o efeito psicológico da música no contexto militar, pesquisando um vídeo para ajudar na confecção deste, encontro o seguinte comentário acerca do dobrado: “o cansaço evapora com essa música”.

* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)

 

 

 

 

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *