Por Antonio Samarone *
Wellington da Graça, filho do Cabo João Mole, nascido e criado no Beco Novo. Abandonou a escola com o primário incompleto. Aprendeu a ler, escrever e contar. Foi o bastante para passar a vida sem registrar um dia de serviço. Desconhecia a Carteira de Trabalho.
Passou a vida nas esquinas, bares e cafuas. Cerebrino nos jogos de azar. Imbatível na sinuca, no baralho e no pio. Para não faltar com a verdade, era apontador do bolo esportivo de Zé de Herminio. Passou a vida entre a esquina da Prefeitura, o bar Brasília, o cinema de Zeca Mesquita e a sede local da ARENA. (Foto)
Nunca souberam o que ele pensava, ou se pensava, pois falava pouco. Tanto pode ter sido um gênio como um apoucado. Sabe-se apenas que ele nunca teve nem amigos, nem inimigos. Vivia ali, numa indiferença sepulcral.
Wellington da Graça era avesso aos banhos, mas andava perfumado e de sapato e meia. Mal formado de feições, pobre, esquisito, morreu solteiro, borboletão.
A molecada não perdoava, ele logo ganhou o primoroso apelido de Chumbrega.
Chumbrega não acreditava em virtudes, nem em boas intenções. Era um niilista primitivo, ainda na casca. Cultuava uma vaidade imperial!
Segundo Alberto de Carvalho, Chumbrega foi uma contra homenagem ao Conde de Schomberg, elegante nobre português da época da Restauração (Sec. XVII).
Jeronimo de Mendonça, Governador da Província de Pernambuco, era conhecido como Chumbrega. O personagem de Itabaiana era homônimo do governador.
Chumbrega não possuía nem rendas, nem patrimônio. Vivia de favores. Ele cobrava pedágio pela existência. Como era pacífico e não roubava, passou a ser tolerado nas rodas dos bem-nascidos de Itabaiana.
Chumbrega ganhou a fama de nunca ter feito um favor. Vivia de favores, sem reciprocidade. Ninguém contasse com ele para nada. Ele administrava os seus pequenos interesses. Era empresário de si, uma autarquia, como dizia João de Deus.
Próximo à Prefeitura morava Alemãozinho, um comerciante prospero de Itabaiana. Alemãozinho sempre foi mão aberta com Chumbrega, nunca lhe negou uma ajuda.
Num certo domingo, logo cedo, Alemãozinho foi buscar a Rural para ir à Fazenda. O carro não pegou, precisava de um empurrãozinho. Pela hora, tinha pouca gente na rua. Alemãozinho lembrou de Chumbrega, sempre ali, na esquina da Prefeitura.
“Chumbrega, faça-me um favor, ajude-me aqui a empurrar o meu carro”, pediu Alemãozinho. Chumbrega respondeu de pronto: “Jamais! Você não pode me pedir um favor desses!”
“Como assim?” – reagiu Alemãozinho. “Você passou a vida me pedindo favores e quando eu preciso de uma bobagem, você nega!”
Chumbrega, indiferente, continuou: “Não tenho lembrança de ter lhe pedido para empurrar um carro.” De fato, Alemãozinho teve que se virar sozinho.
Chumbrega faleceu, não me lembro nem a causa, nem a época, deixando uma marca: nunca fez nem o bem, nem o mal. Saldo zero! Essas pessoas morrem discretamente, de morte natural, sem alardes, sem ter quem chore, nem lamente.
Numa época em que o futebol em Itabaiana crescia, Chumbrega, por pirraça, torcia pelo Sergipe.
Não se sabe se na hora do juízo final, do acerto de contas, se ele fora salvo ou condenado. A verdade é que entre boas e más ações houve um equilíbrio. A dúvida do código canônico foi imensa, como julgar Chumbrega?
O Inferno podia ser uma condenação severa e o céu uma graça exagerada. Eu não arrisco! Chumbrega foi daqueles casos que morrem e ficam zanzando, sem um local para repousar, ocasionalmente podendo assombrar um ou outro?
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.