Por Amaral Cavalcante *
O diabo que te carregue!
No começo, fumar era bacanésimo e eu que tirava onda de Hunfrey Bogart nos becos de Simão Dias, logo cedo me atraquei com um Astória; vocês conheceram? Era um pacaio empacotado num maço amarelo, fumo bruto, do tipo arromba peito, mas tão baratinho… tão baratinho!
Vejam no que deu! Agora, fumar é pior do que peidar em público, sujeito a execração pública e perseguição doméstica, uma lástima social que só encontra precedentes nos tempos heroicos da maconha, quando mamãe acreditava que bastava uma assopradinha na fechadura da frente para que toda a casa caísse num torpor de zumbi e passasse a obedecer ao malfeitor. Coitada!
A cura já está entre nós, num boteco do SUS instalado ali no Conjunto Augusto Franco. Quem me indicou foi amiga de fé, aflita com o meu padecimento. Em chegando lá fui levado a uma saleta onde outros inveterados já aguardavam a médica que chegou acompanhada de uma enfermeira paramentada carregando apetrechos duvidosos. Na sala, todo tipo de gente: uma velha de veias azuis nas mãos de esquekéticas, um senhor magro de nariz adunco, um anão graúdo da cabeça grande, uma negra bonita com ar matriarcal, uma moça boazona com a barriga sobrando pelo cós da calça, um rapaz com o cabelo de Neymar e mais alguns etcéteras.
Deu-se então aquele papo de Assistente Social, cada um se apresentando eu sou fulano e coisa e tal, cada qual mais falante e desembaraçado, enquanto um piadista de muro baixo se encarregava de provocar sonoras gaitadas. E eu? Encolhido num canto, filmando tudo, mas atacado pela insidiosa timidez que me acomete em presença de estranhos, orando a São Expedito para que ninguém me reconhecesse. Foi quando uma donzela de unhas enormes e pintadas de preto apontou o indicador para mim e lascou:
– Você não é Amaral, o poeta!
Pra que? Subiu-me uma lagarta de fogo nas orelhas, o cuspe engrossou na garganta, a veia aorta enrolou uma jararaca em minha garganta, quase corro dali, mas ganhei tempo:
– Quem, eu?
Finalmente, dei meu nome, recebi uma caixa de adesivos com as devidas explicações de uso e aqui estou, cada vez mais temente a Deus e subjugado aos tremeliques da abstinência.
Quero ver como é que vai ser quando eu me puser a escrever uma crônica séria, dessas que a Academia gosta, sem beber nem fumar.
Eu tenho é sofrido!
* Amaral Cavalcante é jornalista, poeta e cronista de mão cheia.