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Tríade das cordas

Por Neu Fontes *

Venho de um tempo onde respeitar e valorizar que faz bem-feito e responsável era natural, minha bisavó Noemi Brandão sempre dizia: – ande com os melhores e aprenda com eles. Minha mãe Susete me colocou aos 10 anos no Instituto de Música de Sergipe que ficava situada no prédio que hoje é o memorial da Justiça na praça Olímpio Campos, logo no segundo semestre nos mudamos para o atual prédio na Rua Santa Luzia e já com o nome de Conservatório de Música de Sergipe.

Foi lá que aprendi as primeiras notas e acordes do violão com o professor João Pires Argollo, Baiano radicado em Sergipe, grande professor que introduziu o ensino de violão clássico no Conservatório de Música de Sergipe e fundou a cadeira de violão na instituição. Um instrumentista de alta categoria que eu ficava admirando nas aulas. Mas, principalmente nos saraus da casa do meu avô José Domingues. Fui também algumas vezes na sua própria residência aos domingos no chorinho que ele organizava com os maiores músicos da nossa cidade, além dos convidados que chegavam. Constituiu a família mais musical do nosso estado com todos os filhos músicos, onde três se destacaram por tornar a música suas profissões Alvino Argollo, Eliane Argollo e João Pires Argollo Filho.

Nos anos 70 tive ainda como professores, os músicos Eribaldo Prata e o Henrique Souza. O primeiro filho de uma grande amiga de minha mãe Dona Caçula e que vendeu a minha mãe meu primeiro violão e um contrabaixo. Heribaldo fez o curso superior de música na Bahia no Conservatório de Música Regina se especializando em piano e acordeon. Compositor, participou de inúmeros festivais, conquistando o 3º lugar no “1º Concurso de Música Sergipana”; 1º lugar no “Festival Estanciano da Canção”; 3 medalhas de melhor arranjo e vários outros troféus. Criou sua Academia de Música Carlos Gomes de onde passaram centenas de músicos e cantores. Eribaldo Prata está na história da cultura sergipana com uma participação de suma importância na área musical, atuou como instrumentista, compositor, regente e arranjador.

Henrique Souza o “Jovem” como era conhecido, era alagoano, formado em música, foi professor do conservatório de música de Sergipe e instalou seu método Prático, Rápido e Eficiente, revolucionou o ensino do violão, e por isso rapidamente ficou conhecido nas rodas músicas, montou o grupo D’Aqui com Wilson Cordeiro, Vanderley Souza, Tourino e José Amaral. Um grande instrumentista e compositor, participou de inúmeros projetos e Festivais, um sujeito agradável, amigo e companheiro, sempre disposto a ajudar. E assim fui construindo minha base musical.

Por mais de 18 anos gravei discos e fiz muitos shows. Comigo tocaram grandes músicos, entre eles os baixistas: Jairo Bala, Gilson Batata, Robson, Flor, Manguito, Fradinho, o pianista Maurico Botto, o flautista Cal Alencar, os bateristas Marcos Passos, Ademir, Ednor, Nego, Carlinhos e Rominho, os tecladistas, Carlinhos Menezes, Waltinho, Diogo Montalvão, Alegria, Peta, Valdo França, os guitarristas Zezinho, Lito Nascimento, Vigú, Benezão, Miltinho Goulart, Marcus Vinícius, Fred Tex, e as percussões de Pedrinho Mendonça, Ton Toy, Marcos Mancada, Sanfoneiros como Erivaldinho e Cobra Verde, nos metais Gentil, Carlinhos, Haroldo e Sousa, Julinho Vasconcelos gaita entre tantos outros instrumentistas virtuosos e competentes e que contribuirão com o meu crescimento artístico e musical.

Nos anos 2000 construí o Estúdio Capitania do Som e lá conheci novos nomes da nossa música, meninos chegando com tanto talento e com uma preocupação enorme de ter além do talento nato de cada um, a formação necessária para a prática da profissão que eles estavam escolhendo. E assim conheci um menino magrinho de óculos de grau e um violão na mão, entrou no meu estúdio para gravar e fiquei impressionado com tanto talento, além de muito educado e gentil com todos. O ano passado devido a pandemia não pude comemorar meus quarenta anos de música profissional e esse ano resolvi gravar alguns trabalhos, serão três cd´s e um livro com essas minhas histórias.

Pensei em três nomes um para cada trabalho e assim convidei o menino de óculos para produzir um desses trabalhos além de fazer os arranjos das canções e claro, tocar. Não tinha certeza se ele aceitaria mais o danado aceitou. Esse menino que conheci no estúdio Capitania dos Som hoje é o Mestre Saulo Ferreira, guitarrista, compositor, professor, formado em música pela Universidade Federal de Sergipe e mestre em Educação Musical pela Universidade Federal da Bahia, um músico versátil e que tem um trabalho autoral maravilhoso resultante de múltiplas influências, sobretudo do jazz, da música brasileira e da africana, um arranjador e produtor desejado por todos os artistas.

Saulinho como é carinhosamente chamado, é um estudioso da música além dos seus discos, lançou recentemente o livro SCAT SINGING, onde auxilia os guitarristas e violonistas a utilizarem o recurso da vocalização em sua prática instrumental. Com todo esse potencial e talento, o que salta aos olhos de qualquer um que tenha a honra de trabalhar e conviver com ele, é o modo afetuoso que ele trata a todos, muito carinhoso, atencioso sempre com uma palavra boa e com significado, um ser humano ímpar, que todos devem conhecer. Gravamos 12 canções e, sem dúvida, é o trabalho mais bonito e consistente que fiz, reaprendi o significado da minha música nos meus

62 anos, e Saulinho tem uma importância profunda e especial nesse aprendizado. Os outros dois nomes da nova safra desses excelentes músicos são Alberto Silveira e  Ricardo Vieira. E, me parece que a gemada que eles tomaram quando criança é a mesma que o Saulinho tomou também, pois os dois são da mesma casta do Saulo, talentosos, estudiosos, competentes e afetuosos, pessoas boas, seres humanos do bem.

O violonista Alberto Silveira é músico versátil: compositor, arranjador e tem uma técnica impecável de fingerstyle, forma de tocar apenas com os dedos, sem utilizar a palheta. Já tinha ouvido falar do cabra, foi quando convidei o Alisson Coutto para participar comigo do Festival Sescanção e ele me trouxe o Alberto, e tudo que já tinha ouvido sobre ele era pouco. O rapaz tem uma execução primorosa. Ótimo músico, simples, gentil e generoso. No final do ano passado convidei Alberto para juntos fazermos um show só com músicas do Vander Lee, seria o começo das  comemorações dos meus 40 anos, foi a primeira vez que fiz um show sem músicas autorais. Ele topou, montou os arranjos e realizamos o show, criamos uma afinidade e amizade. Alberto é compositor, arranjador, grande professor e um homem de bem, talentoso coloca todo seu conhecimento em favor da música.

A tríade se completa com o Ricardo Vieira: violinista, compositor, produtor musical e artista multimeios é graduado em música pela UFS, Mestre na areá de criação e execução musical pela UFBA e doutorando em processos criativos pela UNIRIO. Ricardo é uma pérola rara, um músico com tanta técnica e talento que toca com a alma quando dedilha os acordes e solos no seu violão de sete cordas. Uma sonoridade que ouvi pela primeira vez no Sescanção, festival que coordenei por diversos anos. Ele participo em muitas edições e sempre com sucesso. Soube que antes ele atuava em regionais e diversos projetos como solo, duos, trios com a música brasileira de câmara. Depois avistei o Ricardo tocando com o artista nacional Xangaia, aí não tive dúvida: ele era a essência da música nordestina e brasileira, a sonoridade do seu violão é inigualável. Pensei um dia ainda vou convidá-lo para produzir alguma música minha.

Em janeiro de 2022, fui convidado a participar de um jingle da retomada do carnaval da nossa Aracaju, como sempre topei, pois se me convidar eu vou, e assim reencontrei o Ricardo Viera pois ele era o compositor, arranjador e produtor do Jingle. Gravei a minha voz e conversamos muito sobre algumas ideias, rimos muito e ficamos de conversar depois. O tempo passou e quando resolvi começar o projeto com Saulinho, comecei a perceber que precisaria de um profissional de canto para tentar me desenferrujar, afinal tinha muitos anos sem cantar profissionalmente. Procurei algumas pessoas e todas me indicaram uma cantora Capixaba que está morando por aqui, Rebeca é o nome dela e a referência maior era que ela fazia parte do Duo Vieira tanto na música como na vida, ela é a esposa do Ricardo Vieira. Não me fiz de rogado e liguei para o Ricardo, ele alegremente me atendeu e me passou o contato da Rebeca e disse feliz, claro que ela topa. Liguei para ela e muito educada me explicou que tinha tido bebê recentemente, mas pensaria uma forma de trabalharmos juntos.

Dias depois ela me ligou e marcou alguns horários e dias. Fiz aulas com a Rebeca e pude aproveitar do seu conhecimento, talento e determinação, uma cantora como poucas que conheci. Na pequena convivência com eles puder perceber como os dois se completam. Ricardo é um excelente músico, dedicado, competente e com todas as misturas rítmicas, harmônicas e melódicas da nossa música, um celeiro de ideias com suavidade e delicadeza. Quando os dois estão juntos no palco, a música se transforma em una, e o mundo silencia para que não possamos perder uma nota se quer. O Duo Vieira nos traz paz e alegria, feito luz praieira e a dança da Taieira.

Imagine essa tríade de cordas, misturadas com Mestrinho, Glauber, João Ventura, Italo Neno, Igor Côrtes, Licas Pinheiro, Fábio Cavalieiri, Lucas Campelo, Julio Andrade, Igor Brasil entre tantos e talentosos músicos da ótima boa safra da nossa música.

* É cantor, compositor, publicitário e gestor cultural

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