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Um olhar distanciado das eleições de reitor na UFS

Por Cátia Maria Justo *

Passados cerca de 1 mês da eleição de reitor na UFS, que se deu em 15.10.2024, alguns pontos necessitam de foco com lupa. Acatando Boff, que todo ponto de vista é a vista de um ponto, abordaremos aqui, resumidamente, três pontos. 1) Machismo Institucional; 2) Racismo Institucional e 3) Lacração.

Machismo Institucional

Foram quatro chapas inscritas. Três das chapas que concorreram a eleição para a reitoria tinham mulheres como candidatas à vice reitora, na outra, tanto reitor como vice eram homens. A chapa 1 trazia a Profa. Martha Suzana, a chapa 2 trazia a Profa. Silvana Bretas e a chapa 3 trazia a Profa. Rogéria. Nos debates e no decorrer das exposições ficou claro que todas as mulheres tinham capacidades, competência sem deixar nada a desejar para os cabeças de chapas. Por que as mulheres não encabeçaram as chapas?

Aproveitamos a oportunidade para refletir sobre conceitos como machismo e desigualdade de gênero no espaço universitário. Tomemos o conceito geral de machismo publicado na enciclopédia Wikipédia: “é uma forma de discriminação sexista misógina, associada a “uma masculinidade exagerada” que prega a inferioridade da mulher e a ideia de que o homem é o líder superior. Basicamente, refere-se à suposição de que a masculinidade é superior à feminilidade”. O termo misoginia vem do grego onde miseó, significa ‘ódio’, e gyné ‘mulher’. Misoginia e machismo correm em paralelo, sendo a misoginia o preconceito contra as mulheres por causa de seu gênero.

O machismo e a misoginia estão presentes em toda a sociedade com raízes profundas no passado patriarcal. No espaço acadêmico ele tem se perpetuado e reproduzido. É no dia a dia, no trabalho, na família, nas disputas de poder, nos espaços intelectuais, de cultura e lazer, que as manifestações machistas se expressam. É preciso refletir sobre o quanto nos importamos com esse tema para enfrentá-lo também no espaço universitário.  Não nos descuidemos, pois ele encabeça outras violências de mesma magnitude: racismo, idadismo, gordofobia, transfobia, homofobia, lesbofobia, bifobia, intolerância religiosa e bullying.

 Racismo Institucional

A linguagem foi alterada, assumindo novas gramáticas. Pela primeira vez referiram-se ao reitor, com palavras como golpista, corrupto, mentiroso. Palavras que não eram admitidas para reitores, até então na UFS. Mas parece que a pessoa preta tudo pode suportar. Mesmo os adversários pretos, não protestaram. Afinal, isso faz sentido, ou é mero preciosismo? O que é o racismo institucional?

“O racismo institucional, tal como o definem Silva et al. (2009),

 Não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação (como poderiam ser as manifestações individuais e conscientes que marcam o racismo e a discriminação racial, tal qual reconhecidas e punidas pela Constituição brasileira). Ao contrário, atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola as relações interpessoais e instaura-se no cotidiano institucional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando, de forma ampla, desigualdades e iniquidades.”

Encontrar o negro em espaço de poder, de intelectualidade e erudição, não é o habitual da sociedade brasileira. Decerto, para muitos surpreende e até é desconfortável encontrar um reitor negro. Trata-se do cargo mais importante da hierarquia acadêmica. A reflexão que se coloca é quão discriminatórias e agressivas foram as referências ao reitor negro e se foi pertinente, adequadas a uma comunidade de estudantes, trabalhadores, pesquisadores, intelectuais?

Metodologia eleitoral da Lacração

Até mesmo antes do Reitor Valter Joviano assumir a reitoria ele já era chamado de golpista. Não ter participado deliberadamente da consulta pública que a comunidade acadêmica promoveu foi o motivo. Participando da gestão em curso, avaliou prudente não participar. Foi eleito em reunião do Conselho Superior, como rezava o regimento, e onde todos os candidatos também tiveram oportunidade de participar, e participaram. Durante sua gestão foi aprovado no CONSU que essa seria a última eleição “indireta” e que todas as próximas se realizariam através de consulta a comunidade oficialmente conduzida. Onde está o golpe? Onde está a lacração?

“Quando começou essa mania de subverter as características essenciais de um personagem querido pelo público até que ele se transformasse em nada mais do que um porta-bandeira de uma causa qualquer?”, em uma busca rápida na internet é encontrado o Manual da lacração.

Perguntado a um discente, em quem ele tinha votado, respondeu: _na chapa 2. _Por que?  _Ora se você não votasse você seria um golpista. Quando eu falei, vou votar no professor Valter porque ele é competente, foi uma das melhores gestões da UFS, me falaram: _mas você vai votar em golpista? Não tinha discussão nem argumento. Você acha que foi constrangido? _ Eu só não, todo mundo.

Obviamente que não se trata aqui de tirar o mérito, nem discutir a saudável renovação de poder, embora passível de controvérsias. A questão é a adoção da lacração no espaço universitário.

No espaço eleitoral ela já tem sido implantada com certo sucesso. A lacração tumultua, desconsidera a realidade, não precisa de argumentos, só precisa mobilizar a emoção das massas. Prática muito antiga, aplicada por ditadores famosos em momentos histórico sombrios, recrudesce na atual quadra histórica. “Take America Back”, “vamos abrir a caixa preta da prefeitura de Aracaju…” Revolver emoções sufocadas, esse é o foco que precisa do nosso olhar cuidadoso. Menos acusatório, mas buscando explicações na realidade concreta. Vamos abandonar o argumento?  Vamos nos render que o processo comunicacional com as massas precisa ser revisto? Adotar o método da lacração não é inteligente, não é democrático.

Todos os três pontos levantados carecem de aprofundamento, a ideia aqui é trazer highlights que precisamos debater com argumentos e respeito a todos da nossa comunidade acadêmica.

* É professora do curso de Medicina do Campus de Lagarto.

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