Marcos Cardoso*
É raro que em Sergipe um lançamento literário seja tão aguardado quanto o foi a publicação do livro que o jornalista Luiz Eduardo Costa escreveu sobre o crime da rua de Campos, o marcante e até hoje não elucidado assassinato do médico Carlos Firpo na madrugada de 29 de abril de 1958. Por tudo o que envolveu de intrigas políticas, sociais e passionais, o caso ficou conhecido como o crime mais rumoroso de Aracaju – depois do histórico assassinato de Fausto Cardoso em 1906.
O livro “A Casa Lilás – Memórias de um crime” (Edise, 2021) demorou a sair, o autor ainda liberou a degustação do que viriam a ser capítulos publicando artigos semanais no Jornal do Dia em 2008, quando o crime completou 50 anos. A repercussão o incentivou a concluir a obra, que só aconteceu em 2018. Até a publicação houve revisões e acréscimos, mas o lançamento só aconteceu mesmo após a morte de Milena Mandarino Firpo, a viúva provavelmente injustiçada, em dezembro de 2020.
O livro correspondeu à expectativa de quem esperou para ler o texto acabado de Luiz Eduardo Costa. E não há exagero em afirmar que foi o melhor lançamento literário acontecido por aqui no ano passado. Sim, porque a grande e bem urdida reportagem que é “A Casa Lilás” é puro jornalismo literário, assim bem o definiu o governador Marcelo Déda, que escreveu a apresentação da obra, e até pode ser lido como um romance histórico, personagens e cenários reais compostos de forma a retratar os costumes e os sentimentos coletivos de uma época.
O autor reconstitui com cuidadosa habilidade, e com a imparcialidade que faltou a quem conduziu o inquérito policial e o processo judicial, tudo o que aconteceu na madrugada do crime e o que sucedeu à morte do pacato e respeitado médico e diretor do Hospital Santa Isabel, que pleiteava a indicação como candidato a vice-governador apoiado pelo então mandatário Leandro Maciel. E confirma elementos fundamentais que teriam faltado, ou foram manipulados, prejudicando a elucidação do caso.
Luiz Eduardo Costa prova, por exemplo, que não isolaram a cena do crime e nem fizeram perícia no quarto, sequer tiveram o cuidado de tentar preservar as impressões digitais. Um experiente policial veio do Rio de Janeiro e levantou pistas que não foram levadas em consideração. Esse policial era o pai do ex-vice-governador Benedito Figueiredo. Como o crime envolvia um tenente da Aeronáutica, Afonso Pereira Lima, apontado como amante de Milena e também como suposto mandante, um policial federal foi colocado à disposição para colaborar, mas o governo de Sergipe simplesmente não se interessou pela ajuda.
Um dos executores e das principais testemunhas, o magarefe Timóteo, foi assassinado numa sessão de tortura conduzida pelo então secretário do Interior e da Justiça Heribaldo Dantas Vieira. Pereirinha, o outro executor, que viria a ser condenado por 20 anos, assinou a confissão debaixo de vara. Diga-se que Heribaldo sonhava com a indicação a governador e teria usado o crime para se promover. Frustrou-se.
Por essas e outras informações, Marcos Vieira, filho do depois senador Heribaldo, processou Luiz Eduardo Costa, acusando-o de comandar uma ”súcia repugnante”, e tentou impugnar na Justiça a publicação do livro, o que não conseguiu.
Mas o melhor do trabalho de Luiz Eduardo Costa, e o pior do inquérito, foi confirmar que é falsa a assinatura de Milena no depoimento prestado logo após o crime. Foi uma inquirição, a principal, feita pelo próprio Heribaldo Vieira no quarto dela, sem testemunhas. No outro dia, ela negou que tivesse falado aquilo, mas ninguém se dignou a conferir a assinatura. O perito Newton Porto, a pedido do jornalista, atestou que a assinatura é falsa. Depois, o advogado Genaldo Moura do Amaral pediu para analisar o documento e produziu um laudo confirmando a falsidade da assinatura.
“Com uma assinatura falsa e a principal testemunha morta, o processo teria sido anulado”, observa o autor do livro, praticante de um jornalismo investigativo tão caro aos tempos das fake news e das personalidades eivadas de autoelogios. Embora ele mesmo não tenha concluído sobre quem foram os mandantes do crime e se Milena e Afonso tinham sido mesmo amantes. Mas Luiz tem quase certeza de que ela não traía Carlos Firpo e que também foi uma vítima. Milena e Afonso, execrados publicamente, foram condenados e presos, mas acabaram absolvidos.
“Afonso era baiano e, ainda menino, veio para Aracaju terminar o curso ginasial e ficou na casa do meio-irmão que também se chamava Afonso. E a mulher deste meio-irmão Afonso era irmã da esposa de Nicola Mandarino, que vem a ser o pai de Milena. Eles foram criados juntos. Ela disse que o tinha como irmão. Depois ele fez Escola Militar, no Realengo, no Rio de Janeiro, e vinha sempre nas férias. Inclusive, quando ele era tenente, veio para o casamento de Milena com Carlos Firpo. Ou seja, vivia dentro da casa. Quando o tenente vinha para Aracaju se hospedava na casa do meio-irmão ou na casa de Carlos Firpo, que morava com o sogro, Nicola, a esposa e mais um bocado de gente. Durante aquele período não se falava absolutamente nada do romance entre eles. Aracaju tinha 80 mil habitantes, tudo se comentava, principalmente envolvendo figuras exponenciais da sociedade. Milena era muito discreta, só viva em igreja, não se vestia com decote etc.”, afirma Luiz Eduardo Costa, em entrevista a Antonio Garcia, do portal Só Sergipe.
O livro “A Casa Lilás” foi recebido com entusiasmo por outro sergipano que honra o bom jornalismo, Ancelmo Gois, prefaciador da obra: “Nas mãos do coleguinha Luiz Eduardo Costa, o crime da rua de Campos explode em toda sua dimensão e emoção. É uma obra-prima da literatura policial, cuja leitura me fez dormir por volta das três horas da madrugada para não perder uma linha sequer do livro. O autor tem — digo com a experiência de mais de 50 anos de jornalismo no eixo Rio-São Paulo — um dos melhores textos da imprensa brasileira.” Não é preciso dizer mais.
* É jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.