Por Nane Passos*
“UM PUB LEGAL E DE ALTO ASTRAL BOM SOM PRA GENTE QUE GOSTA DE ROCK JAZZ E BLUES E OUTROS SOM ALTERNATIVOS”, esta é a epígrafe da página do Capitão Cook no Instagram. Talvez, os mais novos não conheçam a história do bar que marcou a cena alternativa de Aracaju durante anos. Vários processos levaram ao seu fechamento e à consequente perda do reduto para os amantes da música alternativa local e nacional.
O Cook embalou amores, encontros, pileques, histórias incontáveis. Com o seu encerramento comercial, virou uma “casa de amigos”, em meio à expansão do bairro Coroa do Meio, resistindo na paisagem achatada por um avultado prédio que borra o encontro do rio Sergipe com o mar, de cuja entrada, marcada pela inconfundível porta de madeira, avista-se a cercania de pedras que contém aquelas águas.
Assim, foi o destino do nosso recanto, um lugar de refúgio, congraçamento, bebericos e prosa. A história mais legal, de todas as que tive o privilégio de ouvir naquele canto, foi a de Marcelo, o argentino, radicado em Sergipe, fundador do nosso Capitão Cook.
Certa feita, entre tantas brincadeiras que trocávamos, falei que ele não tinha nada de argentino e que, na verdade, havia nascido em Cumbe e inventou a “falsa” nacionalidade para conferir uma atmosfera mais underground ao bar. Naquele oportunidade, ele me contou que sempre foi um espírito livre, uma alma transgressora e que, devido a amarras pessoais na Argentina, não se sentia pleno, tendo encontrado em Sergipe seu lugar. Tinha voltado há pouco da terra natal com uma garrafa de Jack Daniel’s, que bebemos juntos.
E, assim, graças ao amigo Elber Batalha, que nos apresentou, sempre que marcávamos uma visita ao velho Cook, meu Jack Daniel’s estava lá com a porção de presunto copa, que o argentino de Cumbe fazia questão de cortar para mim. Tenho ótimas lembranças daquele lugar, inclusive do dia em que fui “expulsa” por profanar o pub roqueiro ao ser incitada, por outra amiga, Sissa, a colocar uma música de arrocha para tocar. Marcelo já estava enfermo; do quarto, telefonou para gente e, na essência da galhofa, disse: “tire isso do meu bar”. Ele era assim, um cara acolhedor, amoroso, rock and roll. Está marcado em mim e em nossa Aracaju.
Meu cumbense, argentino, aracajuano, você viveu a boa vida, reorientou os seus caminhos, NUNCA perdeu a dignidade, foi feliz no lugar que transformou em resistência. Você sempre quis ser o dono das suas escolhas e, de certa forma, escolheu até o momento de partir, razão pela qual choro ao escrever este singelo texto, aquém do que você representou. Que bom que, mesmo atualmente morando fora, pude abraçá-lo na última vez em que estive em Aracaju, um abraço daqueles gostosos, uma despedida velada. Sentirei muito a sua falta, uma ausência regada a Jack Daniel’s, como o que tomávamos na cumplicidade das nossas reuniões.
Muito obrigada, Marcelo…
* Licenciada em História (UFS) e doutora em Antropologia (UFBA)