* Marcos Cardoso
Será que um dia cada um dos brasileiros terá uma tragédia familiar para contar sobre alguém querido que tenha sido vítima dessa violência que cresce e não para de aumentar? Pensando na cura para essa epidemia, formula-se outra questão: até que ponto o combate à corrupção pode resultar num freio moral capaz de reduzir a marcha da violência?
O inquestionável é que o brasileiro não aguenta mais esse descalabro na segurança pública. O Brasil vive uma guerra não declarada, onde a violência da arma de fogo mata mais do que em qualquer outra nação desse conturbado planeta.
E a violência há muito já não escolhe lugar, sexo e nem classe social, apesar de que a incontável maioria das vítimas está incluída numa categoria bem específica: homens jovens, pretos, pobres e moradores da periferia.
Eles estão na mira das balas perdidas, ou nem tão perdidas assim. Eles estão na mira da máfia que controla o tráfico de drogas e armas. E na mira da polícia.
Eles morrem e também matam. Eles estão empunhando o revólver que matou o engenheiro e ex-coordenador da Defesa Civil Nicanor Moura Neto, um homem de bom coração que morreu fazendo o bem aos meninos da Creche Almir do Picolé, no município de Nossa Senhora do Socorro.
A crueldade é de parte a parte.
Quem estará no topo dessa pirâmide que mantém na base meninos aviões e patrões de pequenas bocas?
Tem sempre alguém ou alguma coisa grande por trás dos policiais que escolhe a quem prender, dos agentes penitenciários que permitem a entrada de celulares e armas e a saída de bandidos abastados, dos promotores que não denunciam e dos juízes que negociam sentenças.
Qual a medida em vidas ceifadas da inesgotável sede de poder de um político que desvia dinheiro da merenda das crianças e remédios dos enfermos e idosos?
Mas uma onda de moralidade pública começa a ganhar corpo no Brasil.
Essa onda se desenhou em linhas tortas, dado o viés ideológico de operações como Mensalão e Lava Jato. Mas já produz efeitos positivos cada vez mais crescentes. E espera-se que não dure apenas o furor de uma marola.
Essa onda varreu o Estado do Rio de Janeiro e a consequência mais recente foi a cassação do governador Luiz Fernando Pezão e do vice-governador Francisco Dornelles. Antes, já havia mandado para a cadeia um ex-governador.
Cassado pelo TRE por abuso de poder econômico e político, Pezão já tinha sido condenado no escândalo da máfia das Sanguessugas, por superfaturamento na compra de ambulâncias, quando foi prefeito de Piraí.
Quem poderia imaginar que Sérgio Cabral, que há pouco governou o segundo estado economicamente mais importante, estaria hoje na penitenciária de Bangu? Antes figurinha comum nas listas dos homens mais poderosos, o ex-governador do Rio de Janeiro chefiava uma quadrilha que subtraiu mais de R$ 220 milhões dos cofres públicos.
Quem imaginaria que Eike Batista, o senhor X, até outro dia um dos homens mais ricos do mundo, estaria agora vendo o sol nascer quadrado de dentro de um empreendimento chamado xadrez e coçando os poucos cabelos que lhe restam na cabeça passada à máquina? Ele pagava propina ao esquema do outro careca citado.
O todo poderoso Marcelo Odebrecht, mais um dândi no mundo onde o dinheiro compra reputações, já cumpre pena há quase dois anos em Curitiba. Perdeu quem apostou que ele jamais seria preso.
Do presidente da República aos caciques de quase todos os partidos importantes (menos do PSDB, porque tucano é ave protegida), muitos antes intocáveis têm alguma conta a acertar com a Justiça. Há injustiças nas acusações? Sim, mas o tempo provará com quem está a razão.
Por aqui, à sombra dos cajueiros dos papagaios, a mão pesada da moralidade já se faz sentir.
No escândalo das subvenções, 23 deputados e ex-deputados estaduais foram denunciados por repassar ilegalmente R$ 12,4 milhões que deveriam auxiliar entidades de apoio aos carentes. Vinte foram condenados, sendo que sete deputados estaduais e dois federais tiveram os mandatos cassados.
Esses nove recorreram ao TSE, mas dois deputados ainda estão liminarmente afastados, Augusto Bezerra e Paulinho da Varzinhas.
Na Câmara de Aracaju, 15 vereadores foram denunciados na Operação Indenizar-se, conduzida pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público e da Ordem Tributária do Ministério Público Estadual e pelo Departamento de Crimes contra a Ordem Tributária e Administração Pública (Deotap) da SSP, após uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado.
Eles teriam desviado R$ 5 milhões de verbas que deveriam ser utilizadas para custear despesas parlamentares.
Agora há uma expectativa de que essa onda moralizadora se derrame por todo o estado e alcance ex-prefeitos que não respeitaram a Operação Antidesmonte, coordenada pelo MPE com apoio do TCE.
O mundo está mudando, as instituições mudaram, os órgãos de controle estão agindo e muita gente gananciosa e arrogante parece que não percebeu.
Essa onda pode ser a lufada de bons ventos que um dia resultará na redução da criminalidade no Brasil. Vamos torcer, vamos rezar.
* Marcos Cardoso é jornalista, autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos”.