Jorge Santana*
Lembro que ainda com pouca idade, mas já leitor voraz, tive muita dificuldade para compreender a tragédia nazifascista, sobretudo quanto ao absurdo da tese da superioridade racial e, mais ainda, aos requintes de maldade presenciados nos terríveis campos de concentração, àquela altura da jornada civilizatória, em pleno século XX.
A bem da verdade, nunca encontrei explicação convincente para esse tipo de acontecimento histórico. Sob a dimensão da natureza humana, como justificar essa capacidade de produzir tal grau de violência? Ainda mais sendo (ou seria exatamente por ser?) a única espécie racional do reino animal.
Em Sapiens, um dos livros mais extraordinários que já li, Harari desnuda essa mesma natureza humana com desconcertante simplicidade e amparado em evidências científicas, atribuindo aos diversos conjuntos de crenças das “realidades imaginadas” – pouco importando se religiosas ou ideológicas -, a explicação para os acontecimentos históricos.
Ainda assim, achei que tal explicação precisava de um complemento, que me apareceu agora, quando da leitura de Victor Fankl em sua obra “Em busca de sentido”. Frankl foi um psiquiatra e professor austríaco que fundou a Logoterapia, conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia (as duas primeiras são a da Psicanálise de Freud e a da Psicologia Individual de Adler).
Na apresentação desse seu livro, consta que “o autor descreve como sentiu e observou a si mesmo e as demais pessoas e seu comportamento na situação-limite de um campo de extermínio nazista. Ao fazê-lo, toca na essência do que é ser humano: usar a capacidade de transcender uma situação extremamente desumanizadora, manter a liberdade interior e não renunciar ao sentido da vida, apesar dos pesares”.
E foi em uma das páginas finais do livro que encontrei, em um único parágrafo, o que faltava para explicar certas aberrações que aconteceram e continuam a ocorrer na longa trajetória do ser humano sobre o planeta: “De tudo isso podemos apreender que existem sobre a terra duas raças humanas e realmente apenas essas duas: a “raça” das pessoas direitas e a das pessoas torpes. Ambas as “raças” estão amplamente difundidas. Insinuam-se e infiltram-se em todos os grupos: não há grupo constituído exclusivamente de pessoas decentes, nem unicamente de pessoas torpes”.
Aliviado, agora compreendo por que milhões de seres humanos apoiaram o nazismo, o fascismo, o stalinismo e muitos outros seguem apoiando regimes retrógrados e autoritários, inclusive de viés religioso. Mas não apenas. A mesma explicação vale para aqueles que apoiam o bolsonarismo, a despeito de sua explícita disposição para desconstruir políticas públicas, destruir a economia, agredir o meio ambiente, promover a miséria e a fome, aliar-se ao novo coronavírus por meio de um vasto arsenal de ações e omissões amparadas no negacionismo e que terminaram em centenas de milhares de mortes evitáveis etc, etc, etc.
Ao menos tomando como base Viktor Frankl, podemos afirmar, sem arrodeios: os bolsonaristas convictos e fanáticos são pessoas torpes.
* É ativista pró-democracia.