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Vencedor do Oscar “cita” diretor sergipano

Quando em 2017, numa entrevista ao jornal O Globo, o diretor sul-coreano Bong Joon-ho, do premiado “Parasita”, comentando sobre as influências cinematográficas que moldaram sua formação, citou “Deus e o Diabo na Terra do Sol” como um dos filmes preferidos, ele estava homenageando não só o monstro sagrado baiano Glauber Rocha, como também, indiretamente, o diretor de fotografia sergipano Waldemar Lima.

“Sempre que posso, confiro o que estão fazendo os novos diretores chilenos, peruanos, argentinos, brasileiros. Porém, de todos eles, “Deus e o diabo na terra do sol” (1964), do Glauber Rocha, foi o filme que jamais saiu de minha cabeça. É impressionante, ainda hoje fico de boca aberta ao rever aquela maravilha”, comentou o coreano, que acaba de conquistar quatro Oscars, inclusive de Melhor Direção e Melhor Filme, o primeiro não falado em inglês a ser premiado em tal categoria.

Durante a cerimônia que o consagrou, no último domingo, 9, Bong Joon-ho revelou sua dívida também com outros grandes cineastas. “Quando estava na escola, estudei os filmes de Martin Scorsese [outro grande fã de Glauber Rocha] e já foi uma honra estar indicado junto dele. O que dizer depois de vencê-lo?”, comemorou, estendendo os elogios também a Quentin Tarantino.

Waldemar Lima entrou para a história da cinematografia mundial justamente por ter encontrado, com a câmera na mão, como era exigido pelo diretor do filme, o enquadramento adequado à cena e a luz perfeita para aquela narrativa dramática filmada na dureza do sertão nordestino.

Fotografia viva e real

Foi o próprio Glauber quem falou logo após finalizar o filme: “Toda a equipe se portou muito bem, principalmente os meus colaboradores mais íntimos, Paulo Gil Soares, Walter Lima Junior e o fotógrafo Waldemar Lima. Adotando um processo fotográfico corajoso, mergulhando na sombra e na luz, de câmera na mão, Waldemar Lima criou uma fotografia viva e real, que não esconde a verdadeira face dos homens. Esta técnica, já usada por Luiz Carlos Barreto, ‘Vidas Secas’, e Fernando Duarte em ‘Ganga Zumba’, ganhou com Waldemar uma tonalidade inédita entre cinzas carregados e brancos violentos, que lembra intencionalmente gravuras do Nordeste”.

Sobre a opção estética do filme, Glauber escreveu o que pode ser uma síntese da fotografia e do resultado artístico-estético de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”: “Do ponto de vista artístico destaco Waldemar Lima como meu colaborador na criação plástica do filme. Usando a câmera na mão em quase todas as sequências, e dispensando a luz de rebatedores e refletores, assim como filtros, este jovem iluminador impôs um sentido ideológico em sua fotografia, despojando-a de efeitos vazios e carregando os tons na mais violenta dramaticidade”.

O crítico Talvani Guedes da Fonseca, na Folha de S. Paulo do dia 5 de fevereiro de 1968, confirma: “Grande parte do êxito de ‘Deus e o Diabo’ se deve a Waldemar, que rompeu, naquele momento, os compromissos que tinha com a história da fotografia e do cinema, partindo para grandes planos, livres, com Corisco, Dadá e Antonio das Mortes”.

Cineasta sergipano de Boquim radicado na Bahia, José Humberto Dias fala da ousadia e experimentação, não só ao nível de dramaturgia, mas de interpretação e de tecnologia: “E vem Waldemar para filmar a nossa caatinga, que tem várias camadas pictóricas, mas também ideológicas, de pensamento. Ele esteve à altura de realizar uma ruptura em termos de enquadramento, de luz e sombra. Foi uma grande inspiração, mas que não caiu do céu. Foi fruto de toda uma síntese, uma ebulição que teve como inspiração Glauber Rocha”.

“Waldemar Lima, a despeito da sua ilimitada modéstia, terá sempre um lugar de destaque na história da cinematografia brasileira por seu trabalho como fotógrafo em ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’”, afirmam os cineastas Lauro Escorel e Carlos Ebert, na abertura de uma entrevista que fizeram com Waldemar para registro da Associação Brasileira de Cinematografia – ABC.

15 longas-metragens

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes de 1964. E aparece como o segundo melhor filme brasileiro de todos os tempos no ranking da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), lançado em 2015. O primeiro filme da lista é “Limite” (1931), de Mário Peixoto, e em terceiro vem “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos. A lista foi elaborada a partir de rankings pessoais dos membros da entidade, que reúne críticos e jornalistas especializados de todo o país.

Waldemar Lima morreu em São Paulo há oito anos, no dia 19 de janeiro de 2012, aos 82 anos, depois de realizar 15 longas-metragens, dezenas de curtas, aproximadamente 500 documentários e outros 500 filmes publicitários para TV, sempre trabalhando com grandes cineastas e alguns dos filmes dirigidos por ele próprio. A pedido, suas cinzas foram atiradas na foz do rio Vaza Barris.

Tudo isso está registrado no livro “Waldemar Lima – Uma câmera e uma ideia de luz”, lançado pela Edise em 2017, quando o Tribunal de Contas do Estado, então presidido pelo conselheiro Clóvis Barbosa de Melo, fez uma ampla homenagem ao ilustre sergipano ainda pouco conhecido por aqui. Também foi lançado um documentário dirigido por Pascoal Maynard. Tudo contando com a colaboração do pesquisador Gilfrancisco. O livro foi organizado por este que vos escreve.

Dez anos antes de morrer, numa entrevista ao site revistacontinente.com.br, Waldemar admitiu que não era o primeiro escolhido para fotografar “Deus e o Diabo”: “O Glauber fez o convite a dois ou três fotógrafos de cinema de renome no Brasil, que não aceitaram fazer, pois era apenas um filme de um baiano desconhecido. Eu aceitei fazer. Eles fizeram dezenas de filmes e foram esquecidos; eu fiz um e entrei para a história”.

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