Por Antonio Samarone *
A medicina que antes cuidava de doentes, avançou, resolveu predizer o futuro, antecipar doenças e até o risco de morte. A medicina cobre do berço ao túmulo.
Aristeu (68 anos) está ansioso e perdeu o sono e o sossego. O seu médico prescreveu a realização de 163 exames laboratoriais e de imagens. O doutor, resolveu passar um pente fino no corpo do impaciente.
Aristeu, obediente, submeteu-se a todos. Os resultados foram, no geral, de baixa significação clínica.
Entretanto, o laboratório encontrou o índice do ácido pirúvico elevado. Muito alto! E agora? Qual o risco para a saúde quase perfeita de Aristeu? O doutor está estudando, acha que será necessário um aprofundamento das investigações.
Aristeu é bem vida, pode gastar e decidiu que vai a São Paulo, para não deixar nada em dúvidas.
Aristeu perdeu a tranquilidade. Qual o tratamento para o excesso do ácido pirúvico? Aristeu descende de um dos sete sábios de Itabaiana e não se conformou. Já bateu todos os arquivos do Google, leu tudo o que está publicado sobre o ácido pirúvico. A confusão só aumentou.
Aristeu é um autodidata com muitas informações desordenadas, muita coisa solta na cabeça, e até contraditórias. Chegou a desconfiar da medicina. Lembrou-se que Dante encontrou Hipócrates, Galeno, Avicena e Averróis no primeiro círculo do Inferno – Canto IV, da Divina Comédia. Eles não estão lá sem motivos.
Essa confusão dos médicos vem de longe, sentenciou Aristeu.
Antes os médicos erravam por ignorância, hoje erram por saber demais.
Depois que a medicina abandonou a arte médica, e entregou-se as especulações científicas, os erros aumentaram, suspeita Aristeu.
Logo ele pensou em outra direção, que também poderia estar buscando um consolo, um jeito de esquecer a gravidade do diagnóstico. O seu ácido pirúvico está mesmo muito aumentado, isso é um verdade científica.
Aristeu condena o negacionismo.
Foi assim que encontrei o Seu Aristeu: confuso, temeroso, amedrontado, procurando uma resposta conclusiva para as evidencias médicas.
Eu não soube o que dizer.
Aristeu teme, pelo grau de ansiedade, cair em mãos dos psiquiatras. Ele descobriu que independente dos desdobramentos, em sua idade, entregar-se aos cuidados da medicina é um caminho sem volta. Haverá sempre um especialista à espreita.
Entrar sob os cuidados da medicina é fácil, a porta é larga. Sair é impossível.
Aristeu lembrou-se novamente de Dante. A porta do inferno tem Cérbero, um cão tricéfalo, o temido “cão dos infernos”, que só permite a entrada.
Achei essa comparação um exagero do comprovinciano, motivado pela ansiedade.
Entretanto, Aristeu não está em todo errado, em muita coisa ele tem razão.
* É médico sanitarista.