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Will Smith e o estereótipo do negro irracional e instintivo

Por Lelê Teles *

Nós, que somos pesquisadores do cinema negro (minha dissertação de mestrado é sobre a reconstrução da imagem da pessoa negra pelo cinema negro), sabemos que o cinema estadunidense foi um dos grandes responsáveis pela cristalização da imagem do negro como um animal quase humano; porém, incivilizado e incivilizável.

Desde “o nascimento de uma nação” (o renascimento da Ku Klux Kan), de 1915, do maldito D.W. Griffith, que a imagem do negão estuprador não sai da cabeça dos cineastas brancos.

Aquele homem negro (um horrendo blackface) correndo atrás da mocinha branca indefesa, que prefere se atirar de um penhasco a ser violada por aquele animal do membro gigantesco e monstrificado, se tornou um fetiche.

Esse cara reaparece em “Bonitinha, mas ordinária”. Quando a mocinha branca decide ser estuprada, ela escolhe para estuprá-la justamente um grupo de negros; ora pois.

Esse animal bruto e perigoso reaparece insistentemente no cinema.

Em 1960, o cineasta francês Marcel Camus filmou o maravilhoso “Orfeu Negro”, no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro.

O mito grego se tornava um mito negro, a obra era baseada na peça “Orfeu da Conceição”, do Vinícius de Moraes, mas os intelectuais brasileiros detestaram, porque no filme os negros estavam felizes, namoravam, se casavam, cantavam e dançavam o carnaval, acharam fake: o negro é um animal e deve sempre empunhar uma ferramenta de trabalho ou um arma e matar seu irmão de cor; se não for isso, não vale.

Os estereótipos da pessoa negra no cinema são a “nega maluca, o “criolo doido”, a “mulata exportação”, o negro ingênuo, subserviente e sabujo, a empregada enxerida, desaforada e fofoqueira, o negro mágico (À Espera de um Milagre e outros), o negro que precisa que um branco o salve, o malandro, o traficante, a hipersexualizada da cor do pecado, o Zé Pequeno que mata fazendo graça porque ele é desumano, etc.

A desumanização da pessoa negra é um projeto antigo e que se consolidou com a chegada do cinema, foi por meio da imagem e de narrativas deletérias que se cristalizou essa imagem do negro bruto, irracional, incivilizado e incivilizável: sempre com uma arma na mão, matando e sendo matado; ou amarrado num tronco, levando chibatada.

Agora temos o negro de gravata que leva bolacha.

“O ensinamento vitoriano sugere que, a repetição de algo ficcional sobre um indivíduo, ganha força, tornando-se realidade. Deste modo, apreende-se que subjetividade do estereótipo como elemento ideológico, concorre para formar dimensão na demanda das relações objetivas do objeto de preconceito, resultante da construção ideológica dos estereótipos.(…) Ainda tem sido recorrente a patologia comunicacional que apresenta o afrodescendente com estereótipo de inferior, sobretudo, nos principais veículos de comunicação de massa, notadamente, no cinema, rádio e televisão, que se pautam pela ausência do componente afro, ou pela presença rarefeita, configurada no tipo boçalizado, protagonizando cenas chulas humorísticas ou de núcleo novelista desavisado em 29 relação à modernidade que, por princípio, pauta-se no respeito à diversidade. Situação que concorre para uma política psicológica dos meios de comunicação, em favor de uma imagem negativa da africanidade, contribuindo para a elevação da baixa-estima do jovem negro. Não é à toa que o cinema foi o início da psicologia moderna, pois a imagética cinematográfica, sobretudo, vê nos problemas do olhar a subjetividade da pessoa e do seu meio”. (RODAS & PRUDENTE, 2009.p. 504)”

Smith tava lá, no templo do cinema estadunidense, e deu uma grande contribuição para reforçar esses estereótipos incorporando um personagem caricato.

Will, de quebra, ainda tirou o foco de algo bastante importante: um homem negro (ele mesmo) ganharia um Oscar por retratar a história de um grande homem negro, Richard Williams.

Porém, tudo virou um tapa, de um negro em outro negro.

Tudo se resumiu a isso.

O diabo é que as mesmas pessoas que defenderam os franceses que ofendiam os muçulmanos, agora ofendem o negro que fez uma piada com uma cabeça raspada de uma mulher.

Não, Rock em nenhum momento fez piada com a enfermidade de Jada Smith, isso é narrativa; e é mentira!

* É jornalista, publicitário e roteirista.

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